Caxias do Sul 20/04/2024

Abrem-se as cortinas: nasceu Jesus!

José Clemente Pozenato resgata texto após 60 anos e presenteia os leitores do site com um Auto de Natal de sua autoria
Produzido por redação, 23/12/2021 às 15:50:48
Abrem-se as cortinas: nasceu Jesus!
Nascimento de Jesus é o tema da peça teatral nunca encenada, de autoria de Pozenato
Foto: DIVULGAÇÃO

O ano era 1960 e o então jovem seminarista recém-formado em Filosofia, José Clemente Pozenato, aos 22 anos de idade, iniciava no Seminário Maior de Viamão (RS) o curso de Teologia, que concluiria dois anos mais tarde, sendo ordenado sacerdote.

Inspirado pelos estudos religioso e já dando asas ao espírito criativo literário que pontuaria toda a sua vida e sua carreira, Pozenato escreveria um Auto de Natal em 1961, típica peça natalina focada no episódio cristão do nascimento do Menino Jesus. O texto restringiu-se a ser publicado na revistinha interna da instituição e jamais foi encenado.

O escrito permaneceu guardado e esquecido durante seis décadas, até agora, quando volta a ganhar vida neste site no qual Pozenato é colaborador assíduo com seus artigos culturais/filosóficos e com suas crônicas literárias. Conforme diz o escritor, “um presente de Natal para os leitores do site”.

José Clemente Pozenato na época do Seminário, em 1960 (Foto: Arquivo pessoal)

Aprecie a peça, após as palavras de Pozenato:

“Escrevi essa peça teatral quando estudava no Seminário de Viamão, ainda em 1961, e foi publicada na revista interna da instituição. Por isso, o texto é praticamente inédito. Minha intenção era de que o Auto fosse representado, tanto que simplifiquei ao máximo os elementos de cena, para facilitar a montagem.

Mas, que eu saiba, nunca foi encenado. É que a tradição dos Autos de Natal é comum no nordeste do Brasil, onde a marca portuguesa é mais forte. Aqui no Sul, foram seguidas outras tradições, a maior parte trazidas pelos imigrantes alemães, italianos e poloneses. Mas, nunca se perde por esperar!”

ERGUEU SUA TENDA ENTRE NÓS

AUTO DE NATAL

(Por José Clemente Pozenato - 1961)

No Centro da cena há uma tenda levantada. Dentro dela o presépio, não visível para o público. É intensamente iluminada por dentro, podendo-se deixar o resto da cena escuro. Pode haver também um disco tocando música de Natal, que cessa quando entram os pastores. Os personagens são Maria, José, quatro pastores e um anjo.

1º PASTOR (entrando):

Eis uma tenda nova e desconhecida.

Ontem não estava aqui,

não havia aqui nenhum habitante.

Mas agora alguém veio morar entre nós.

Há mais um habitante na terra.

2º PASTOR:

Ontem o lugar era deserto

e hoje ergue-se uma tenda.

Quem será o seu habitante?

Por que veio morar entre nós?

3º PASTOR:

É grande o silêncio,

a noite é escura

e a luz da tenda é forte.

Até parece que Deus está nela.

ANJO (saindo da tenda e dirigindo-se aos pastores):

Homens da terra,

eu vos anuncio

a grande alegria:

Esta é a habitação de Deus entre os homens.

Deus mora com seus filhos,

Ergueu sua tenda entre eles.

Os homens são seu povo

e Deus, no meio deles,

será seu Deus.

A terra árida e seca

é inundada de alegria.

PASTORES (em coro):

Emanuel!

Deus está conosco!

ANJO:

Chegai para perto

da casa de Deus.

“Vão entrando,

a casa é sua,

não façam cerimônia”

Hoje Deus se mostrou

homem e amigo dos homens.

PASTORES:

Vamos depressa

visitar o amigo!

Ver sua nova casa

com ele conversar.

Não é feita de ouro

não é feita de prata:

é uma casa pobre

simples como nós.

Os pastores se aproximam da tenda, entrando ou ficando à entrada. Em seguida voltam-se para o público, ficam por uns instantes em silêncio, e começam a falar:

1º PASTOR:

Nosso Deus não é um Deus distante.

Eis aqui sua tenda: no meio de nós.

2º PASTOR:

É como um vizinho e amigo

que mora perto de nós.

3º PASTOR:

Já não sabemos o que pensar,

Já dançamos de alegria.

4º PASTOR:

É Deus, e está tão perto

que botei minha mão nele.

TODOS:

Dançaremos com alegria

na tenda do Senhor!

JOSÉ (sai da tenda e se aproxima do grupo de pastores que o acolhe respeitosamente):

Fiquei muito alegre

com as vossas palavras.

Nem sei dizer tudo o que sinto:

é uma coisa que me enche o coração.

Vou cuidar bem do Menino.

Ensinarei a ele o meu ofício:

Trabalhar com ferramentas e madeira.

Quando for grande

será um bom operário, forte e alegre.

E quando eu estiver cansado olharei para ele

e ficarei consolado

porque também Deus está a trabalhar

e também ele sentirá

dores nas costas, nos braços,

terá o corpo todo cansado.

1º PASTOR:

E assim Deus saberá

como o pão é custoso

e difícil de ganhar.

E nos sentiremos felizes.

2º PASTOR:

Será bom a gente pensar

que enquanto se trabalha

também o Senhor na sua tenda

estará a trabalhar.

JOSÉ:

Sei que ele vai também sofrer como nós.

Eu gosto dele, não queria que ele sofresse,

mas sofrerá como qualquer um de nós.

Depois ninguém pode dizer

que Deus não se preocupa com os que sofrem

pois Ele também sofreu

e sabe o que é sofrer.

Ele não veio tirar o nosso sofrimento,

Ele veio sofrer conosco.

Veio nos ajudar a levar o fardo.

Veio dar um sentido

para a nossa dor

para o nosso trabalho.

1º PASTOR:

Deus veio sofrer ao nosso lado,

experimentar a nossa vida.

2º PASTOR:

Não veio nos tirar a dor.

Veio sofrer conosco.

3º PASTOR:

Não nos levou para sua casa.

Ele mesmo veio à nossa.

4º PASTOR:

Não nos levou para o céu:

Foi ele que desceu à terra.

TODOS:

Deus se fez homem

e habitou entre nós.

Volta o Anjo, e enquanto ele começa a falar, José se retira para dentro da tenda.

ANJO:

Vós estais vendo a casa de Deus.

Mas é preciso que anuncieis a todo o mundo

e digais a todos os homens

que Deus está entre eles.

Que saibam o que significa isso:

Deus ter descido à terra.

É preciso que todos saibam

que Deus não está longe

que Deus não é um tirano

mas está perto

e é amigo.

Os quatro pastores se voltam para o público.

1º PASTOR:

Deus é o grande ausente no mundo.

Os homens acham que Ele não é mais necessário.

Querem construir um mundo sem Deus.

Não há mais lugar para Ele.

Ficou tão longe, tão distante.

Ninguém se preocupa com Ele.

Deixaram Deus num canto

como se fosse um velho imprestável.

Não O chamam nem O esperam

para resolver os grandes problemas do mundo.

2º PASTOR:

No entanto Deus é necessário.

Não pode continuar ausente.

É preciso que Ele habite ainda entre nós,

no meio dos nossos problemas

dentro da nossa família

dentro do nosso trabalho

dentro da nossa vida.

Deus de fato não está longe.

Ele se preocupa com os que sofrem.

Ele tem coração de homem.

Ele sabe o que é sofrer,

estar cansado, ter fome.]

ele se fez um de nós.

3º PASTOR:

Com a nossa fé

sabemos que Ele está no mundo,

está perto de nós,

como um amigo escondido.

É preciso saber encontrá-Lo,

saber reconhecê-Lo.

Quando vemos força e violência

não é aí que está Deus!

Quando vemos muito ouro e dinheiro

não é aí que está Deus.

Quando vemos prazeres e orgias

não é aí que está Deus.

Deus é pobre, fraco e escondido.

É preciso saber encontrá-Lo.

4º PASTOR:

Não encontraremos a Deus na rua

Precedido dum longo cortejo.

Não o encontraremos num palácio

Sentado em poltronas macias.

Ele nasceu numa estrebaria.

Sua casa é pobre

Para que ninguém sinta vergonha de entrar.

Nesta noite de Natal

Ele está bem perto de nós.

Por isso transbordamos de alegria:

TODOS:

DEUS ESTÁ PRESENTE NO MUNDO.

ERGUEU SUA TENDA ENTRE NÓS.

(No fim todos –inclusive o público - cantam o hino Noite Feliz)

FIM