Caxias do Sul 23/04/2024

E agora, Winston?

Como liderar numa crise: lições de Churchill na hora mais difícil
Produzido por Gustavo Miotti, 29/05/2020 às 13:14:25
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Em tempos de Covid-19, buscar na História momentos de grande dificuldade e superação serve como conforto e inspiração e ajuda a lembrar que dias melhores hão de chegar. Convido o leitor a relembrar os princípios de liderança de Winston Churchill, que, no início da II Guerra Mundial, pouparam a Europa do domínio nazista.

Em maio de 1940, o continente entrava num momento sombrio com a blitz da máquina de guerra nazista invadindo a Bélgica, Holanda e França. O Reino Unido agonizava, esperando a catástrofe chegar às suas praias e, para agravar, o país tinha mais de 200 mil dos seus soldados encurralados pelos nazistas na costa da França.

A força militar alemã era muito superior às defesas do Reino Unido e lembrando que os principais aliados não haviam entrado na guerra: os Estados Unidos, apesar de serem simpáticos à causa britânica, seguiam uma política isolacionista desde o final da I Guerra Mundial. A União Soviética, por sua vez, tinha assinado o pacto de não agressão Molotov-Ribbentrop em 1939 com a Alemanha. Sob essa horrenda adversidade, Winston Churchill é escolhido a contragosto de boa parte de seu partido e até mesmo do Rei George VI, pai da atual Rainha Elizabeth II, para liderar o país.

O mundo acreditava que a melhor saída para o Reino Unido seria se ajoelhar frente a Hitler e implorar por clemência, mas Churchill sabia que seria o fim da liberdade do país e logo percebe que o clima de derrotismo e moral baixa deveria ser revertido para ter alguma chance de se defender da força nazista. Usou, como ninguém, o poder da oratória para formar o governo, buscar a aceitação do Rei e, principalmente, elevar a moral do povo britânico. Churchill usava metáforas e poderosa linguagem emotiva em seus discursos no parlamento e, pelas ondas da Rádio BBC, transportando o imaginário da audiência para as cenas de batalha.

Em menos de duas semanas no poder, lança a Operação Dínamo, para o resgate dos soldados encurralados na França, muito bem relatada pelo diretor Christopher Nolan no filme “Dunkirk” (2017). No início da campanha, se esperava resgatar no máximo 50 mil soldados, mas foram quase 350 mil entre ingleses e franceses. Muito do sucesso da campanha se deve à mobilização provocada por Churchill, que reuniu mais de mil barcos e lanchas, sendo a maioria de civis, pescadores e pessoas comuns.

Em seu primeiro discurso no parlamento, proferiu a célebre frase: “Não tenho nada a oferecer se não sangue, labuta, lágrimas e suor”. Hoje, esta frase estampa as notas de cinco libras esterlinas. Churchill expressava uma enorme capacidade de transformar uma pequena chance em esperança, e afirmava: “vitória, independentemente de quão longo e difícil o caminho possa ser”.

Soube-se, muitos anos depois, que um empregado de Churchill, ao vê-lo cabisbaixo naquele dia, perguntou o que estava acontecendo. Churchill confessou que achava que tinha chegado tarde demais ao poder e sentenciou: “Estaremos mortos em menos de três meses”. Também soube-se, muito tempo depois, que Churchill sofria de episódios de distúrbios de humor, alternando episódios de profunda depressão e de euforia, mas tinha uma autoconfiança que o ajudava a superar esses momentos.

Uma das principais qualidades de Churchill como líder era sua capacidade ímpar de inspirar a população, independentemente das circunstâncias vividas. Num segundo histórico discurso, em junho de 1940, preparou o país para uma possível invasão:

Iremos até o fim... Lutaremos nos mares e oceanos, lutaremos com confiança crescente e força crescente no ar, defenderemos nossa ilha, qualquer que seja o custo. Lutaremos nas praias, lutaremos nos terrenos de desembarque, lutaremos nos campos e nas ruas, lutaremos nas colinas; nunca nos renderemos”.

(Ouça o áudio original no link: DISCURSO DE CHURCHILL)

O grande teste para Churchill veio exatamente dois meses após ter assumido o comando do país na Batalha da Grã-Bretanha. A Alemanha fez um bloqueio aéreo e naval da ilha e a Luftwaffe (a força área nazista) e a Força Aérea Britânica (RAF – Royal Air Force), realizaram a primeira batalha exclusivamente aérea da história. O objetivo principal dos nazistas era forçar Churchill a negociar um acordo de paz e, inicialmente, atacaram a infraestrutura e zonas industriais. A RAF, por sua vez, retaliou, fazendo um ataque surpresa a Berlim. Irado, Hitler decidiu desviar o ataque para Londres, que foi duramente atacada. Os ataques eram à noite, para aumentar o número de baixas.

Durante 56 dias consecutivos, as noites da cidade ficaram iluminadas pelas chuvas de bombas e os dias eram cinzentos pelas fumaças dos incêndios. Enquanto a Luftwaffe se preocupava com Londres, o Reino Unido conseguiu aumentar consideravelmente a produção de aviões no interior e a inventar um sistema pioneiro de radar que permitiu à RAF detectar o ataque inimigo. Esses dois fatores importantes deram uma forte vantagem competitiva ao Reino Unido e foram capazes de virar o jogo e deter a invasão nazista. Churchill celebra a vitória heroica da RAF com um famoso discurso no Parlamento:

Nunca, na história da guerra, tantos deveram tanto a tão poucos”.

Efígie de Churchill na nota de cinco libras

Porém, Churchill sabia que, mesmo tendo conseguido conter o avanço nazista, a vitória só seria possível com a entrada dos Estados Unidos na guerra, e disse:

... até que, na boa hora de Deus, o Novo Mundo, com toda a sua força e poder, dará um passo em frente para o resgate e libertação do Velho."

Churchill estava longe de ser perfeito para o cargo, mas era a pessoa certa no momento certo. Excêntrico, preferiu o exército do que fazer uma faculdade, algo raro na época para um filho de aristocrata.

Foi politicamente incorreto, antes mesmo de o termo existir. Conhecido também por ser instável, melodramático e por adorar um whisky já no café da manhã. Certa vez, em uma troca calorosa de palavras no parlamento, a deputada Nancy Astor disse: “Winston, se eu fosse sua esposa, eu colocaria veneno no seu café”. Churchill devolveu: “Nancy, seu eu fosse seu marido, eu tomaria”.

Porém, essas imperfeições o aproximavam ainda mais do povo britânico, que era acostumado a líderes aristocratas, pomposos e frios. Um grande retrato desse período é o filme “O Destino de uma Nação”, em que o ator Gary Oldman ganhou o Oscar pela soberba interpretação de Winston Churchill.

Por ironia do destino, 80 anos depois, a Alemanha, hoje, está dando uma verdadeira aula de como enfrentar o inimigo invisível da Covid-19. A diferença no número de mortes per capita, em países com o mesmo padrão de desenvolvimento, como os Estados Unidos, é três vezes maior e a do Reino Unido, quase nove vezes a da Alemanha. Muito desse resultado se deve à liderança de Angela Merkel, talvez a principal líder nos tempos atuais que se apresenta metódica, reservada, mas bem-humorada.

A franqueza e candura de Churchill durante os dias negros forjaram uma ligação incomparável entre ele e o povo. O jornalista David Carlin, especializado em liderança, afirmou que Churchill possuía uma poderosa combinação de realismo, otimismo e provocação, que inspiraram os britânicos para a vitória. Churchill representa, até hoje, o símbolo do Reino Unido e do triunfo da democracia sobre o fascismo.

“Sucesso não é o final, falhar não é fatal: é a coragem para continuar que conta”.

(Sir Winston Leonard Spencer-Churchill)

Gustavo Miotti, economista, sócio da Soprano e doutorando do Rollins College (Winter Park, Florida), onde pesquisa atitudes relativas à globalização nos EUA e China.

E-mail: gmiotti@rollins.edu

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