Caxias do Sul 19/04/2024

Aula de lirismo em prosa pelo mestre dos mestres da crônica

Rubem Braga é incensado, justamente, como um dos maiores escritores brasileiros dedicado ao gênero, injustamente considerado menor. Lê-lo e relê-lo soluciona a questão
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 26/04/2020 às 18:57:55
Aula de lirismo em prosa pelo mestre dos mestres da crônica
Foto: DIVULGAÇÃO

Por Marcos Fernando Kirst

Ele era capixaba, nascido em 12 de janeiro de 1913 em uma cidade do interior do Espírito Santo, Cachoeiro de Itapemirim, que ficou famosa por legar ao Brasil dois Bragas que conquistaram a fama por meio das artes. Rubem Braga, o jornalista, escritor e cronista, que fez carreira na imprensa nacional a partir do Rio de Janeiro, e Roberto Carlos Braga, o Rei, cantor, também radicado no Rio.

Apesar do sobrenome comum, consta que não possuem parentesco direto. O Braga escritor, que é o que evocamos aqui, morreu em 19 de dezembro de 1990, no Rio, aos 77 anos, deixando um legado literário composto por centenas de textos publicados nas páginas dos jornais e alguns reunidos em coletâneas.

Seu texto transita com suavidade natural entre o lírico, o humorado e o sensível de forma única, produzindo poesia em forma de prosa pescada da vida. Precisa ser sempre lembrado. Selecionamos aqui uma entre centenas de textos, para o degustar do leitor dedicado. Saboreie a nostalgia desta crônica.

DESPEDIDA

Por Rubem Braga

E no meio dessa confusão alguém partiu sem se despedir; foi triste. Se houvesse uma despedida talvez fosse mais triste, talvez tenha sido melhor assim, uma separação como às vezes acontece em um baile de carnaval — uma pessoa se perde da outra, procura-a por um instante e depois adere a qualquer cordão. É melhor para os amantes pensar que a última vez que se encontraram se amaram muito — depois apenas aconteceu que não se encontraram mais. Eles não se despediram, a vida é que os despediu, cada um para seu lado — sem glória nem humilhação.

Creio que será permitido guardar uma leve tristeza, e também uma lembrança boa; que não será proibido confessar que às vezes se tem saudades; nem será odioso dizer que a separação ao mesmo tempo nos traz um inexplicável sentimento de alívio, e de sossego; e um indefinível remorso; e um recôndito despeito.

E que houve momentos perfeitos que passaram, mas não se perderam, porque ficaram em nossa vida; que a lembrança deles nos faz sentir maior a nossa solidão; mas que essa solidão ficou menos infeliz: que importa que uma estrela já esteja morta se ela ainda brilha no fundo de nossa noite e de nosso confuso sonho?

Talvez não mereçamos imaginar que haverá outros verões; se eles vierem, nós os receberemos obedientes como as cigarras e as paineiras — com flores e cantos. O inverno — te lembras — nos maltratou; não havia flores, não havia mar, e fomos sacudidos de um lado para outro como dois bonecos na mão de um titeriteiro inábil.

Ah, talvez valesse a pena dizer que houve um telefonema que não pôde haver; entretanto, é possível que não adiantasse nada. Para que explicações? Esqueçamos as pequenas coisas mortificantes; o silêncio torna tudo menos penoso; lembremos apenas as coisas douradas e digamos apenas a pequena palavra: adeus.

A pequena palavra que se alonga como um canto de cigarra perdido numa tarde de domingo.