Caxias do Sul 07/05/2024

As relações de trabalho em tempos de coronavírus

Período atípico requer um olhar detalhado sobre as flexibilizações e readequamentos possíveis de serem empreendidos entre patrões e empregados
Produzido por Bruna Acosta, 02/04/2020 às 09:49:58
Foto: Augusto Vasconcelos

A pandemia causada pelo coronavírus (COVID-19) atingiu o Brasil em cheio, não apenas por ser fato novo, sobre o qual ainda vivenciamos fases experimentais econômicas e científicas, mas porque em meio ao caos existem as onerosas relações de trabalho.

De fevereiro até o momento, houve uma enxurrada legislativa vinda de todas as esferas administrativas (União, Estados e municípios), com intuito de estabelecer medidas preventivas e contenciosas para a pandemia. Ocorre que tais medidas impõem restrições de funcionamento aos estabelecimentos comerciais, que estão de portas fechadas e altos custos para manutenção das folhas de pagamentos – exceto aqueles considerados prestadores de serviços essenciais.

Diante desse cenário, com empresas impedidas de exercer suas atividades para obtenção de lucros e com funcionários a pagar, paira uma dúvida comum entre a classe patronal: quais medidas posso adotar?

A boa notícia é que, independentemente de flexibilizações legais por parte do governo, diga-se temporárias, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), traz um leque de opções, sobre as quais discorrerei de forma sintetizada, mas capaz de elucidar as principais diferenças de custos e benefícios:

1) Teletrabalho (arts. 75-B a 75-E da CLT), é a possibilidade de o trabalhador desenvolver em sua casa as mesmas atividades que desenvolveria na empresa, fazendo uso de tecnologias de informação e comunicação. É lícita a transição de modalidade presencial para teletrabalho (vice-versa), no entanto, deve constar em aditivo contratual e o empregado terá o prazo de 15 dias para adaptação.

O aditivo contratual deve também especificar as atividades a serem desenvolvidas, bem como se a empresa fornecerá os equipamentos necessários ao trabalho, manutenções ou reembolsos.

Com exceção daqueles trabalhadores que necessitem fazer login em rede da empresa, não há controle de jornada e, portanto, sem horas extraordinárias. Ainda, não há adicional noturno e sobreaviso.

2) Férias Coletivas (arts. 139 e 140 da CLT), podem ser concedidas a todos os empregados da empresa ou de determinados estabelecimentos ou setores, em momentos distintos desde que nenhum seja inferior a 10 dias corridos. Se houver concordância, poderão ser usufruídos em até 3 períodos, sendo que 1 não poderá ser inferior a 14 dias corridos e os demais não inferiores a 5 dias corridos cada um.

Os empregados deverão ser comunicados com 30 dias de antecedência e, ainda, o empregador deverá comunicar o Ministério do Trabalho com antecedência mínima de 15 dias as datas de início e fim do período, tal como enviar cópia ao sindicato da categoria. O pagamento, composto do salário base, adicionais noturno/insalubridade/periculosidade, média de comissões e horas extraordinárias, acrescidos de 1/3 constitucional, deve ser feito no período de 2 dias que antecedem o início das férias.

Importante frisar que, para os trabalhadores com contratos inferiores a 12 meses, nas férias coletivas gozarão proporcionalmente e o que ultrapassar será considerado licença remunerada. Além disso, inicia-se novo período aquisitivo e é necessária participação do sindicato para validação.

Outro adendo diz respeito aos funcionários com idade inferior a 18 anos e estudantes, pois caso sejam concedidas férias em período que não coincida com as férias escolares, serão consideradas como licença remunerada e as férias individuais serão consideradas quando coincidirem com as férias escolares.

3) Banco de Horas (art. 59, parágrafos 2o e 5o , CLT), sistema de flexibilização da jornada de trabalho, em que as horas trabalhadas são computadas para serem compensadas em momento posterior. As horas extraordinariamente laboradas, desde que compensadas dentro do prazo que será de 6 meses para acordos individuais (sem sindicato) e até 12 meses em negociações coletivas (com sindicato), não serão pagas com adicional de 50%. Para acordos individuais, se as horas forem compensadas no mesmo mês, sequer há necessidade de ser documentada.

Por outro lado, temos uma inovação em relação a banco de horas, que é em sua forma negativa, ou seja, contabiliza as horas de folga ou não trabalhadas para compensação posterior. Nesse caso, serão compensadas com acréscimo na jornada de trabalho, sem gerar direito ao recebimento de adicional de horas extras para o empregado.

Para a redução de jornada é imprescindível a participação sindical e o salário é mantido de forma integral. Já em caso de rescisão do contrato de trabalho com saldo negativo no banco de horas, é viável o desconto do valor correspondente, desde que anteriormente previsto em negociação coletiva.

4) Suspensão dos Contratos de Trabalho (476-A, CLT), consiste no afastamento do empregado, que não prestará serviços, porém não receberá salário. Para tanto, fundamenta-se na participação do empregado em curso ou programa de qualificação oferecido pelo empregador, mediante previsão em negociação coletiva e concordância do empregado.

A suspensão poderá ser de 2 a 5 meses e o curso ou programa de qualificação deverá ser em igual período. O contrato não poderá ser suspenso mais de uma vez dentro do período de 16 meses. O empregador poderá, a seu critério, pagar ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial.

5) Plano de Demissões Voluntárias/Incentivadas (art. 477-B, CLT), desde que com previsão em instrumento de negociação coletiva, o empregador pode elaborar plano de demissões, contendo benefícios para a aqueles trabalhadores que assim optem.

Normalmente, as empresas oferecem indenização correspondente à 1 remuneração (salário e adicionais) por ano trabalhado e assistência médica por período compreendido entre 6 e 12 meses. A adesão ao plano de demissões voluntárias implica em quitação total e irrevogável dos direitos decorrentes da relação empregatícia.

6) Rescisão Consensual/Por Acordo (art. 484-A, CLT), trata-se de comum acordo entre empregado e empregador para findar o contrato de trabalho. Nessa hipótese, apesar de não poder encaminhar o seguro-desemprego, o empregado tem direito ao recebimento de saldo de salário, férias proporcionais + 1/3 constitucional, 13º proporcional e saque de até 80% do fundo de garantia. Há redução da multa rescisória de 40% para 20%, além disso, o aviso prévio indenizado é pago pela metade e se for trabalhado, não comporta redução de jornada nos 30 dias.

7) Força Maior (art. 501, CLT), assim considerado todo acontecimento inevitável e imprevisível em relação à vontade do empregador e para o qual não tenha contribuído ou dado causa. Pressuposto essencial para sua configuração é a ocorrência de prejuízos consideráveis à situação econômica da empresa. O referido dispositivo possibilita a redução geral dos salários, proporcionalmente ao salário de cada um, em até 25%, desde que respeitado o salário regional.

Caso os prejuízos experimentados sejam tão grandes que extinguam alguma filial ou a empresa como um todo, em que pese haver dispensa do pagamento de aviso prévio, os empregados terão direito ao recebimento de indenização.

Os empregados estáveis (com mais de 10 anos de contrato), receberão um mês de remuneração por ano de serviço ou por ano e fração superior a 6 meses, já os não estáveis receberão metade dos valores a que teriam direito pela rescisão sem justa causa. Quanto aos empregados com contrato por prazo determinado, fazem jus à indenização cujo valor será o equivalente a 50% da remuneração que receberia até o final do contrato. No que tange à multa rescisória reduz de 40% para 20%.

Agora muitos devem estar se perguntando: afinal, quais foram as alterações trazidas pela Medida Provisória 927/2020 nas possibilidades acima mencionadas? Houve uma desburocratização de formalidades e flexibilizações legais, quais sejam:

a) férias individuais: poderão ser determinadas ainda que incompleto o período aquisitivo, bem como antecipar períodos futuros. O prazo mínimo para comunicação baixou de 30 dias para 48 horas, o pagamento até o quinto dia útil do mês subsequente ao seu início e pagamento do adicional de 1/3 até a gratificação natalina;

b) férias coletivas: a comunicação com antecedência de, no mínimo, quarenta e oito horas (e não 30 dias), não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos, ainda foram dispensadas as comunicações ao Ministério do Trabalho e aos sindicatos da categoria.

c) banco de horas: estendeu o prazo de compensação para até 18 meses, contado da data de encerramento do estado de calamidade pública, e facultou a determinação da compensação do saldo de horas pelo empregador, independentemente de convenção coletiva ou acordo individual ou coletivo.

Merece ser dito que as medidas excepcionais serão cessadas tão logo seja superada a calamidade pública causada pela pandemia, que neste caso é a força maior. Por fim, é sabido que o cenário atual traz insegurança aos empresários, mas, como podem perceber, existem múltiplas formas de tentar adequar as relações de trabalho à nova realidade. Para tanto, basta um olhar atento ao que pode ser mais apropriado ao seu empreendimento.

Bruna Acosta, natural de Rosário do Sul (RS), é advogada cível e trabalhista com atuação voltada a consultoria e assessoria jurídica para empresas.

E-mail: bruna-av@hotmail.com