Caxias do Sul 25/04/2024

Anedotas de Portugal: fatos reais

As situações cômicas que dão origem às anedotas nascem de um fato: são duas as línguas faladas nos dois países
Produzido por José Clemente Pozenato, 05/09/2020 às 09:24:52
Foto: Marcos Fernando Kirst

É uma tradição popular no Brasil contar anedotas ou piadas de português. Politicamente incorreto? Pode ser. Mas acontece que em Portugal também circulam anedotas de brasileiro, em menor quantidade, talvez.

Na minha avaliação, as situações cômicas que dão origem às anedotas nascem de um fato: são duas as línguas faladas nos dois países. Não há muito tempo um jornal português publicou uma matéria sobre as queixas que alunos lusófonos, chegados de fora de Portugal, estavam fazendo de professores de universidades e institutos portugueses. Na reportagem, ficou registrado que um professor de uma dessas instituições, quando um brasileiro, ou angolano, fazia uma pergunta, ele retrucava:

- Fale português!

O intercâmbio de professores e estudantes está recheado de situações jocosas, para não dizer cômicas, por causa da diferença de significado que as palavras podem ter de um e de outro lado do atlântico. Vai uma coleção de nada menos que sete anedotas reais, no bom sentido da palavra. O sentido que a palavra anékdota tem em grego, onde ela significa “não editado”, “não divulgado”. Todas elas acontecidas no ambiente universitário.

1. Um paulista, doutor em Letras, passava um período como professor visitante na Universidade de Lisboa. Tinha ele a mania (segundo sua expressão) de usar um lápis vermelho para marcar observações feitas nos trabalhos dos alunos. Mas esquecera de levar um na pasta. Dias depois, andando pela rua, viu uma papelaria e pensou: vou comprar aqui meu lápis. Entrou e foi atendido com a maior cortesia:

- Deseja algo, senhor?

- Um lápis vermelho, se faz favor.

- Vermelho?? Ah, encarnado! Venha, pois sim. Um como este?

E entregou um lápis encarnado. O professor deu uma olhada e disse:

- Mas este lápis é preto. Escreve preto.

- Ah, encarnado por dentro é o que o senhor quer? Podia ter-me falado.

2. Dois universitários de Porto Alegre estavam em Lisboa e decidiram alugar um carro, para fazer um passeio até a Espanha. Tomaram a estrada na direção norte e, num determinado ponto, ficaram em dúvida sobre que rumo tomar. Viram então um cidadão à margem da rodovia e pararam para perguntar:

- Esta estrada vai para a Espanha?

- Se for, ficamos sem – respondeu o português com ar de espanto. – Vai nos fazer falta!

3. Outro professor gaúcho chegou à estação de trem para comprar um bilhete para a cidade do Porto. Já sabia como se diz trem em Portugal e solicitou:

- Quero uma passagem de comboio para o Porto.

- Pois sim. De que tipo deseja?

- O melhor que tiver – retrucou o professor.

- Pois o melhor é o Prêmio, tem restaurante, música ambiental, poltrona-leito. Mas esse já partiu.

E ficou esperando. O professor teve que perguntar:

- E qual é o próximo?

- Ah, o senhor aceita outro comboio?

4. Um grupo de professores brasileiros estava em Portugal participando de um evento de intercâmbio. Num intervalo do encontro, entraram em um café. Chega o garçom até a mesa e pergunta:

- O que os senhores desejam?

Um dos professores, cheio de cortesia, perguntou:

- Eu posso pedir um cafezinho?

- Pois peça! – retrucou o moço. E ficou aguardando a confirmação.

5. Um brasileiro, escritor e professor de História da Arte, estava andando por Lisboa e começou a chover. Por sorte, passava perto de uma loja de guarda-chuvas. Gostava muito de um guarda-chuva alemão da marca Brauer, e pensou: se continuo tendo sorte, vou encontrar essa marca. Chegou ao atendente:

- Os senhores têm para vender um guarda-chuva alemão, da marca Brauer?

- Não senhor, não dispomos – respondeu o vendedor.

E virou as costas. Não se deu o trabalho de oferecer outra escolha!

6. Duas professoras, em passeio por Lisboa, entraram para almoçar num restaurante. Uma delas, já que não havia nenhuma informação na entrada, foi até o balcão da recepção e perguntou, também caprichando na cortesia:

- Podemos saber o que a casa tem para oferecer?

- A casa não oferece nada, minha senhora – retrucou o do balcão. – Aqui tudo deve ser pago.

7. Outro professor, que estava participando de um congresso sobre Lusofonia decidiu, num final de semana, ir com a esposa conhecer o Palácio da Mafra, que fica a uns 25 quilômetros de Lisboa.

Alugou um carro com motorista e, chegando ao Palácio, disse ao motorista:

- Pode nos esperar na saída. Em uma hora devemos estar de volta.

O professor percorreu com a esposa todas as preciosidades históricas ali guardadas e voltou para onde havia entrado. Nem carro nem motorista apareciam. Resolveu então falar com o guarda:

- Não viu um carro com motorista? Ele disse que ia esperar-me na saída.

- Pois aqui é a entrada, meu senhor! Saída é do outro lado do Palácio.

Deram os dois a volta ao redor do Palácio e do outro lado estava o motorista esperando. Na saída!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.

mail pozenato@terra.com.br

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