O Brasil é um país curioso: por aqui, até o descanso precisa de autorização. E quando se trata do trabalho aos domingos e feriados, a lei virou um jogo de paciência — especialmente para quem empreende.
A regra que exigirá convenção coletiva para o funcionamento do comércio em feriados foi, mais uma vez, adiada. Agora, ficou para março de 2026. Pela quarta vez. Sim, quarta. Um adiamento que tem gosto de alívio para alguns empresários, de frustração para outros e de incerteza para todos.
De um lado, há o reconhecimento: muitos setores ainda não conseguiram construir acordos sólidos com seus sindicatos. Do outro, a insegurança jurídica vai se alongando, como uma sombra que paira sobre a gestão do negócio. Afinal, quem empreende precisa de previsibilidade — não só nos números, mas também nas normas.
A proposta da portaria, em essência, não é absurda. Resgata o que a lei já dizia: o trabalho em feriado só pode ocorrer com respaldo de convenção coletiva. Um retorno à legalidade, dizem. Mas o problema está no tempo — e na forma.
A cada novo adiamento, reforça-se a sensação de improviso. De que o empresário precisa correr para montar escala de domingo com base em regras que talvez não valham mais na semana seguinte. E mais do que isso: de que o diálogo entre governo, empregadores e trabalhadores ainda tropeça na prática, embora funcione muito bem no discurso.
Enquanto isso, o comércio segue abrindo as portas. O trabalhador segue batendo ponto. E o empresário, como sempre, tentando equilibrar as contas, a lei e o bom senso — tudo ao mesmo tempo.
O que fica evidente, mais do que qualquer posicionamento ideológico, é a urgência por segurança jurídica. Porque empreender no Brasil já exige coragem, mas não deveria exigir adivinhação.
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.
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