Caxias do Sul 29/09/2025

Caxias do Sul e Serra Gaúcha se despedem do DR. DANIEL PARISOTTO

Mais do que uma vida longa e produtiva, médico deixa um grande legado de cuidado à saúde das mulheres
Produzido por Lisiane Dossin Miotti , 29/09/2025 às 08:49:21
Caxias do Sul e Serra Gaúcha se despedem do DR. DANIEL PARISOTTO
Dr. Daniel Parisotto faleceu aos 93 anos, e atuou em seu consultório até os 88 anos
Foto: FOTOS ARQUIVO PESSOAL

Texto da Dra. Lisiane Dossin Miotti, especial para o Portal

“O que conta na vida não é o mero fato que vivemos. É a diferença que fizemos na vida dos outros que determinará a significância da vida que levamos.” Nelson Mandela.

Essa frase é perfeita para esse grande homem, esse médico que dedicou sua vida a cuidar da saúde das mulheres. Toda e qualquer família que teve gerações nascidas e criadas na nossa região tem algum nascimento, algum tratamento ou cura pelas suas mãos. Dr. Daniel Parisotto, esse grande estudioso da saúde da mulher, da menopausa, da terapia hormonal, do câncer de mama, da osteoporose e, mais recentemente, das temidas trombofilias da gestação, foi brilhante. Despediu-se da vida terrena, aos 93 anos, no sábado, 27 de setembro de 2025, em Caxias do Sul, rodeado pela família, amigos e com homenagens no domingo à altura de sua longeva atuação em prol da comunidade que o acolheu. Foi incansável a favor da saúde e da qualidade de vida das famílias. Deixa quatro filhas, seis netos e uma bisneta.


Ginecologista, obstetra e mastologista sempre valorizou o afeto de sua grande família

Exímio e criterioso cirurgião pélvico e de mamas, sempre foi extremamente caprichoso e rigoroso nos seus procedimentos. Ele sempre foi pioneiro, talentoso e leitor voraz. Muito curioso e questionador, não aceitava simplesmente as regras e recomendações que chegavam de fora. Ele conferia as fontes e métodos de estudo, e tinha sua própria avaliação dos resultados e das novidades que a medicina estava trazendo, ainda quando ele dependia de livros que eram publicados em francês e chegavam de barco ao Brasil. Esse doutor foi meu mentor, meu professor, meu amigo e meu parceiro de trabalho por mais de 15 anos.

Dr. Parisotto faz parte de uma geração muito guerreira e inovadora que transformou o Rio Grande do Sul num estado próspero através do estudo. Teve uma origem simples na colônia, nasceu em Vista Alegre do Prata, interior de Nova Prata, e foi o décimo em uma família de 12 filhos. Aos 12 anos, foi mandado para o Seminário de Padres Josefinos, em Fazenda Souza, porque seus pais reconheceram que era inteligente e gostava de estudar e essa seria sua única chance de ter uma educação à altura da sua curiosidade. Esse rapaz valente aproveitou cada chance que a vida lhe deu, e, depois de concluir seus estudos no Colégio Marista Rosário, de Porto Alegre, entrou para a Faculdade de Medicina da UFRGS.


Dr. Daniel Parisotto com sua secretária de longa data, Carine Molon

Dr. Parisotto era um visionário e sua busca por melhores respostas para o tratamento das doenças que acometiam as mulheres fazia com que estivesse sempre muitos anos à frente dos outros profissionais da sua época. Uma de suas condutas arrojadas foi trazer o primeiro aparelho de ecografia para a cidade de Caxias do Sul, um dos 5 primeiros aparelhos de ecografia a entrarem no Rio Grande do Sul. Na época, foi chamado de louco por muitos colegas céticos e seu investimento foi desacreditado. Depois de alguns anos, a ecografia foi consagrada como uma das mais importantes ferramentas de diagnóstico das doenças pélvicas e mamárias da mulher.

Ao final dos anos 90, cansado de fazer cirurgias radicais para tratar o câncer de mama de suas pacientes, foi para Milão, no Instituto Europeu de Oncologia, para aprender com o pai da cirurgia conservadora de mama, Dr. Umberto Veronesi, como curar suas pacientes que apresentavam câncer de mama de maneira mais delicada e conservadora. Há quase 15 anos, quando o mundo médico acreditava que a vitamina D era apenas necessária para a saúde óssea, ele já entendia a sua importância para a saúde do sistema nervoso e da imunidade e diagnosticava e tratava suas pacientes de acordo. Ele foi pioneiro também em diagnosticar e tratar as trombofilias que causavam abortamentos e a morte de bebês por gestações interrompidas precocemente e foi o responsável por centenas de casais conseguirem realizar seu sonho de construir uma família após tentativas frustradas.


Dr. Daniel foi casado por 62 anos com Márcia Maurer

E agora, romântica que sou, devo dizer que meu professor e mentor foi inspirado pelo amor. E talvez por isso Deus, sabiamente, tenha dado para ele uma esposa pela qual ele era apaixonado, e 4 maravilhosas filhas mulheres. Quando sua amada esposa e musa inspiradora, Márcia Maurer, entrou em menopausa e enfrentou todas as possíveis dificuldades que as mulheres enfrentam pela privação hormonal, ele conseguiu ter empatia, não só com ela, mas com todas as mulheres do mundo, e sentiu, como se fosse na própria pele, como é ruim não se sentir você mesmo de repente e ter a sua qualidade de vida e produtividade prejudicadas por uma vasta variedade de sintomas.

Então, após 2002, quando a Terapia Hormonal da Menopausa foi considerada perigosa e foi banida das prescrições médicas no mundo inteiro, deixando uma geração inteira de mulheres vivendo à mercê dos sintomas e prejuízos causados pela menopausa, o Dr. Parisotto já tinha entendido que tudo havia sido um grande erro, e não deixava que nenhuma mulher que estivesse sob os seus cuidados vivesse sem esse tratamento que, hoje, está devidamente consagrado como um dos mais importantes para a longevidade com saúde para a mulher.

Em 2001 me apresentei para ele em seu consultório. Cheguei tímida e humilde, mas confiante de quem eu era, e do que eu tinha para oferecer. Eu era jovem e inexperiente, comparada a esse doutor, com tantos anos de um excelente trabalho e muita valentia no seu currículo. Eu já respeitava tudo que esse médico, um gigante, tinha feito pelas mulheres na nossa cidade e região. Mas eu também tinha feito meu tema de casa e tinha uma excelente formação na PUCRS e estava pronta para trabalhar com ele. Então tive uma das mais gratas surpresas da minha vida. Esse doutor tão reverenciado, estava curioso e ávido para me receber. Respeitava meu treinamento e queria aprender comigo!


Dra. Lisiane Dossin Miotti com seu grande mentor

Ele me recebeu como uma dádiva, como se sangue novo corresse em suas veias pelo simples fato de podermos trabalhar juntos. Ele estava ansioso para saber o que se passava nas universidades de medicina no momento e todas as novidades que eu traria para melhorar o que ele oferecia para suas pacientes. Eu entendi já nos primeiros meses de trabalho que eu estava em frente de alguém muito especial.

Este homem era atemporal, transpassava a sua era, estava em busca da luz, da novidade, do melhor, da transformação. Não tinha vínculo acadêmico, mas era um professor nato e não aceitava o estagnado status de médico que sabe tudo. Estava em busca do futuro e de tudo que estava por vir e, com a humildade que só os gênios têm, achava que o que sabia era muito pouco e estava em busca de mais conhecimento, todos os dias. Não por vaidade ou maior ganho financeiro, mas pela fé na ciência e na vocação que Deus nos deu.


Os netos faziam a alegria do médico devotado

Na nossa missão de dar nosso melhor por toda e qualquer mulher que entrasse no nosso consultório, essa ligação nos vinculou para sempre. Ele sempre foi madrugador, acordava rotineiramente às 4 da manhã para estudar e suas cirurgias começavam pontualmente às 7 horas da manhã, para as pacientes dele e para as minhas. E eu devia estar lá, não só pronta para dar meu melhor na cirurgia, mas estar pronta para a sabatina que ele sempre me fazia sobre os últimos artigos publicados, geralmente sobre o seu assunto de interesse atual. Seus interesses eram muitos, e eu não conseguia acompanhar ele, que era 42 anos mais velho que eu, principalmente quando comecei a ter uma rotina de mãe com bebês pequenos. Então, me rendi, e simplesmente ouvia atenta o que ele me trazia, com deleite pelo entusiasmo desse doutor que não se cansava de aprender e pesquisar.

Dr. Parisotto, repito agora o que te disse, em vida, inúmeras vezes, felizmente: foi um prazer e uma honra ter sido tua pupila, tua parceira de cirurgia, tua colega. Todos teus ensinamentos continuarão comigo para sempre. Tua personalidade faz parte do meu superego de doutora que sempre quer mais e o melhor para aquela que me consultar.

Obrigada meu amigo, meu mentor, meu professor. Te disse até logo sofrendo por saber que não terei mais alguém para me questionar sobre minhas últimas leituras e discutir casos difíceis para encontrar o melhor tratamento. Dentro dos meus sonhos dourados está o de ser tão importante na vida de alguém como foste na minha. Te agradeço por mim e por todas as mulheres que tiveram suas vidas tocadas pelo teu conhecimento: muito obrigada por tudo e por tanto! Descansa em paz, doutor. Sua missão foi lindamente cumprida!

“Nós temos que encontrar tempo para parar e agradecer quem fez uma diferença nas nossas vidas.” John F. Kennedy

Leia também dois textos que a Dra. Lisiane Dossin Miotti produziu para este portal de notícias, homenageando o seu mentor em vida:

Mentores: a nossa ponte entre a teoria e a vida real (Parte I)

Mentores: a nossa ponte entre a teoria e a vida real (Parte II)