Caxias do Sul 01/09/2025

O privilégio de ler LUIS FERNANDO VERISSIMO só para mim!

Ousadia inconsequente juvenil resultou no recebimento de cartas exclusivas que impulsionaram uma vocação
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 01/09/2025 às 08:29:19
O privilégio de ler LUIS FERNANDO VERISSIMO só para mim!
Encontro único e silencioso com o mestre na Feira do Livro de Caxias do Sul, em 2015
Foto: Silvana Toazza

POR MARCOS FERNANDO KIRST

O que faz um grande ser grande é a sua grandeza. A grandeza de Luis Fernando Verissimo, falecido aos 88 anos no último sábado, 30 de agosto de 2025, sustentava-se em um tripé de atributos: o talento genial, a humildade e a generosidade. Essa fórmula de rara conjunção posiciona o escritor gaúcho em um patamar bastante despovoado na Galeria da Notoriedade Eterna, destinada a abrigar a memória das personalidades extraordinárias que fizeram a diferença na história do mundo e cujo legado seguirá reverberando nas áreas de sua atuação e entre as gentes que influenciaram.

Luis Fernando Verissimo ingressou pela porta da frente na História da literatura gaúcha e nacional desde os primeiros passos que deu na área, muitas décadas, portanto, antes do epílogo de sua vida, que agora lamentamos. Independentemente de qualquer eventual boa vontade de editores decorrente de sua filiação privilegiada, Verissimo, o Luis Fernando, jamais precisou se escorar ou alavancar sua trajetória na e sob a sombra do Verissimo seu pai, o Erico, cuja presença na mesma Galeria da Notoriedade Eterna passa a contar agora com a companhia da memória do filho. Sim, porque genialmente talentoso o Erico inegavelmente também era, não se discute. Já se igualmente professava os atributos da humildade e da generosidade, isso não sei reportar, por não ter tido com ele o privilégio do contato, até porque faleceu, o Erico, quando eu contava apenas 9 anos de idade e recém dava meus folheios iniciais pelo fascinante mundo da leitura, que já me seduzia e logo adiante me absorveria e me definiria, para sempre.

Mas com o Luis Fernando, sim, tive o privilégio do contato, e é por meio dele que me credencio a atestar a premissa de que humildade e generosidade compunham os ingredientes constitutivos da sua grandeza, e que convergiam para torná-lo uma figura original não só em termos literários (o que incontestavelmente era), mas na seara do humano, uma raridade entre aqueles que atingem os píncaros da fama, aqui lançando mão a um lugar-comum, tipo de expressão que, quando nas letras dele, podia se transformar em ouro literário. Sua humildade, a bem da verdade, era notória e prescindia de contato direto para que fosse detectada por qualquer um. Muito provavelmente suscitada pela extrema timidez que lhe temperava a alma, Verissimo (o Luis Fernando, doravante denominado como LFV) via-se incapaz de tecer loas a si mesmo e regia seu comportamento obedecendo às regras pétreas que governam os tímidos e que, no seu caso, resultavam em humildade: vastos e devastadores silêncios; palavras medidas e comedidas; parcimônia presencial; doçura social; olhar frágil invocando invisibilidade e meio-sorriso permanente, a postular simpatia a desendurecer aproximantes.

Já o ingrediente da generosidade eu pude testemunhar de forma direta e personalizada, decorrência explícita da admiração que passei a nutrir por ele ainda na adolescência e que serviu de exemplo, estímulo e norte para formatar minha própria estrada enquanto habitante do universo da leitura e da escrita. Para chegarmos aos fatos, vamos antes aos primórdios daquilo que passei a batizar como “a saga de meu contato com o mestre”, porque, sim, LFV foi o mestre literário de multidões de gentes que gostavam de ler e que também desejavam exercitar a arte de escrever, especialmente no gênero das crônicas, em que ele se destacava e arrebatava leitores de todas as partes do país. LFV, por meio de suas criativas, inspiradas e muito engraçadas crônicas, era seguido primeiro por centenas de leitores, depois por milhares, atingindo as centenas de milhares de leitores e, talvez, os milhões, isso muitas décadas antes da invenção da internet e das redes sociais, que hoje arrebanham seguidores muito mal direcionados, para mestres da vaidade e do vazio do conteúdo moldado ao vácuo da alma.

Travei conhecimento com o texto de LFV lá pelo final da década de 1970, talvez mais especificamente em 1978 ou 1979, quando eu vivenciava os meus 12/13 anos levando na pele o pipocar das espinhas e na alma as primeiras brisas da sede insaciável pela leitura, vício ali deflagrado pelos gibis, pelos livros infanto-juvenis a mim disponibilizados por meus pais e pela aterrissagem em casa, na Rua dos Viajantes, em Ijuí, todos os dias, do jornal Zero Hora, de que tínhamos assinatura. Desde já, ao chegar de cada edição diária, minha atenção era despertada pela penúltima página do jornal, então assinada pelo também cronista e humorista gaúcho Carlos Nobre (pseudônimo do jornalista José Evaristo Villalobos Júnior, 1929 – 1985), espaço depois herdado pelo jornalista Paulo Sant´Ana (1939 - 2017), e também pela coluna diária de crônicas hilariantes de Luis Fernando Verissimo, que escrevia em ZH, descobri mais tarde, desde 1975 (tendo permanecido na ativa no jornal até 2017). Nos finais de semana, talvez para dar a si mesmo uma folga, LFV publicava não seus textos em ZH, mas a tirinha humorística por ele inventada, “As Cobras”, revezada com os cartuns de seu “Aventuras da Família Brasil”.

Eu ficava decepcionado nas edições de final de semana, porque meu intelecto juvenil ainda não alcançava a fineza da ironia e da crítica social inseridas nesse material desenhado e escrito por ele, a mão. Eu queria mesmo eram as crônicas! Meu pai e minha mãe eram exímios leitores de cronistas, consumidores dos livros de Fernando Sabino (1923 – 2004), de Leon Eliachar (1922 – 1987) e de Sérgio Porto/Stanislaw Pontepreta (1923 - 1968). Meu avô paterno era um entusiasta das crônicas de João Bergmann, de apelido “Jotabê” (1922-1960), publicadas aos finais de semana nas páginas do jornal “Correio do Povo”, então ainda impresso em seu formato original, standard, que lhe rendeu a alcunha de “Correião” depois que Caldas Júnior o vendeu adiante e ele passou a ser impresso no formato tabloide, característico da imprensa sul-riograndense. Degustar crônicas era, portanto, um hábito herdado e compartilhado por pelo menos essas duas gerações da minha família. Eu precisava fazer jus ao legado, mesmo que o fizesse inconscientemente. E foi o que fiz.

Fiquei muito feliz quando descobri a publicação em livro de uma coletânea de crônicas de LFV, intitulada “O Rei do Rock”, que saiu em formato pocket em uma coleção especial editada em parceria entre a Editora Globo e a RBS. O livro foi lançado em 1978; adquiri e devorei o meu exemplar em 1980, abrindo, com ele, minha futura coleção de obras do grande mestre. Em 1981, encomendei, por meio do hoje extinto Círculo do Livro, um exemplar em capa dura, edição elegante, de “Ed Mort”, um dos títulos que alavancariam o nome de LFV como autor best-seller em todo o país. Em 1982, arrebanhei “O Analista de Bagé” (outra coletânea hoje clássica do autor e de muito sucesso na época) e “Outras do Analista de Bagé”. Este último, lancei assim, no meu “Livro de Livros”, volume em que anoto, desde 1977 (iniciado aos 10 anos de idade) todos os livros que leio, com breves resenhas: “Novo livro de crônicas do memorável escritor humorístico gaúcho”. “Memorável” foi o adjetivo que, aos 16 anos de idade, escolhi para designar o escritor que tanto me fascinava. Memorável escolha!

Analisando em retrospecto, devo supor que meu fascínio pelo escritor era tanto que familiares, colegas e amigos já eram sabedores do fato, a ponto de, no Natal de 1982, meu jovem afilhado, Leonardo, então com um aninho de idade, ter presenteado seu dindo com um exemplar de “A Mesa Voadora”, obra recheada com crônicas gastronômicas do autor, que também se credenciava como um gourmet, além de amante e praticante do jazz. A esses primeiros títulos, somaram-se ainda a seleção de textos comentados intitulada “O Gigolô das Palavras”, adquirido em 1983, e o famoso “A Mulher do Silva”, em 1985, quando eu já era estudante universitário de jornalismo, em Santa Maria (este último, presente também de Natal do amigo de infância Hervé, por sinal, irmão mais velho do afilhado supracitado). Os índices de todos esses volumes apresentam alguns títulos de crônicas assinalados por mim a lápis, indicando aquelas que eu mais apreciava e que, de tempos em tempos, me convidavam à releitura. Eu relia e relia e ria e ria e ria...


Coleção de livros do escritor iniciou-se ainda na década de 1980
(Foto: Marcos Fernando Kirst)

Em meados de 1982, LFV começou a assinar uma página semanal na revista Veja, de circulação nacional. Desde o início daquele ano, eu havia recebido de presente de Natal, de minha mãe, uma assinatura da publicação, feita em meu nome, renovável a cada nova efeméride natalícia. Presente que eu devorava linha a linha, página por página, a cada nova edição semanal entregue em casa pelas mãos do carteiro. Foi uma alegria passar a acompanhar os textos do meu escritor brasileiro favorito também naquelas páginas.

Tanta que ousei, certa tarde em que colocava minha correspondência em dia, teclando na máquina de escrever portátil Facit cartas a serem disparadas para amigos missivistas espalhados por várias partes do país, ousei endereçar uma delas à seção de cartas da revista Veja, elogiando o cronista. Saiu devidamente publicada na edição número 773 de Veja, em 29 de junho de 1983, nos seguintes termos: “Se alguém ainda tem dúvidas sobre a capacidade humorística de Luis Fernando Verissimo, basta ler o que ele escreve semanalmente em VEJA”. E devidamente assinada: “Marcos Fernando Kirst, Ijuí, RS”. Hoje não imagino de quem eu desconfiava, na época, que pudesse nutrir dúvidas sobre a capacidade humorística de LFV, mas, por via das dúvidas, caso houvesse algum incauto que se enquadrasse no chapéu, eu ali apresentava a solução para a celeuma: bastava lê-lo. E ponto!

A ousadia reverberou em Ijuí na minha sala de aula naquela semana, tendo sido flagrada por outros colegas do segundo grau (hoje ensino médio) que, em suas casas, também tinham acesso à revista. Igualmente tímido como meu ídolo, corei de emoção. Desigualmente imodesto, exultei em silêncio com a momentânea notoriedade local de meu nome, publicado na revista. Gostei da sensação.

Provavelmente foi esse episódio que me motivou a dar um passo além, pouco tempo depois, em minhas ousadias. Decidi que escreveria uma carta ao ídolo, tecendo elogios, arriscando críticas (ah, os ímpetos da mocidade...!) e solicitado dicas de escrita. Para atingir meu objetivo, utilizei o raciocínio lógico, conforme tentavam arduamente nos ensinar alguns professores naquela época. Ora, refleti: os livros do LFV são publicados pela editora porto-alegrense L± e o endereço da editora vem impresso na folha de rosto dos livros por ela editados. “Vou escrever uma carta ao LFV, endereçada à editora, e torcer para que eles façam-na chegar em suas mãos”, sonhei. Fi-lo. Fui à Facit e mandei dedos nas teclas, em 10 de dezembro de 1982. Produzi uma missiva cujo teor versava desde elogios desbragados ao estilo do escritor até críticas ousadas às tiras das “Cobras”, de que eu não gostava, passando a perguntas sobre futuras publicações e solicitando dicas de escrita, porque eu sonhava em remeter a alguma editora nacional os originais de um livro de aventura que eu havia escrito nas últimas férias de inverno, na ingênua esperança de ser lido, avaliado e publicado (mais tarde a gente vai se curando esse tipo de quimera vã). Envelopei a carta, selei, caminhei as cerca de oito quadras que separavam minha casa da agência dos correios, no centro de Ijuí, e despachei a dita a seu destino.

Eu já estava curtindo férias escolares de verão, era 30 de dezembro, o mormaço abrasava a rua de paralelepípedos socados contra a tabatinga naquela longa tarde silenciosa em Ijuí, enquanto, estirado sobre o sofá da sala de estar, eu lia “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway, quando, de repente, a modorra foi subitamente quebrada pelo braço do carteiro, ao arremessar janela adentro, chacoalhando as persianas (nota: ainda não havia necessidade de grades na frente da casa), a correspondência para toda a família. Passado o susto, dirigi-me ao montinho de envelopes que jazia no chão e, de imediato, separei aqueles a mim destinados por meus amigos correspondentes (eu era um missivista dedicado naqueles tempos). Para minha estupefação, no meio do maço de papéis, um envelope com a letra inconfundível de LFV (eu lia “As Cobras”, desenhadas e escritas a mão por ele, lembram?), em azul, endereçada a mim! Meu coração subiu à boca! Ele havia me respondido! Tudo dera certo! A carta chegara à editora, fora reencaminhada a ele, ele a lera e, o mais incrível, me enviava uma resposta! Isso só podia ser um dos aspectos da tão falada magia da escrita!


Carta envelopada, escrita e assinada pelo mestre causou sensação
(Foto: Marcos Fernando Kirst)

Abri e traguei de um só gole as 15 linhas que LFV datilografara exclusivamente para mim! Para mim! Só para mim! “Caro senhor Marcos Fernando Kirst”, começava assim, formal. “Demorei em responder sua carta de 10 de dezembro porque estava numa dúvida paralisante: devia ou não contar para as Cobras a sua opinião sobre elas? Finalmente decidi que elas já têm desgostos o bastante, sendo desenhadas por mim, e as poupei de mais esta infelicidade”. Ahhhhhh! Esse sim, era o LFV e seu humor característico, que eu tanto admirava!

“Apesar das críticas, gostei muito da sua carta, principalmente dos elogios”. Ahahahahaha! Curti muito essa! Mais adiante, ele seguia: “A julgar pela sua carta, tenho certeza que seu livro vai ser muito engraçado e um sucesso. Eu diria isso mesmo que você não tivesse dezesseis anos (é verdade?!) e não tivesse me chamado de mestre”. Hehehehe, elogios gerando elogios, pensei. E aí, vinha a sacada final, da mente do gênio que eu tanto admirava: “Já a fórmula mágica para vender livros, eu sei mas não revelo. Envolve cogumelos do Tibet, pestanas de núbias virgens e filtros fumegantes, e, mesmo, só dá certo com muita sorte”. Que maravilha! Desprovido de google e de internet, precisei recorrer ao Dicionário Aurélio, na estante, para decifrar a palavra “núbias”. “Da, ou pertencente ou relativo à Núbia (África)”. Ok, certo! Ahahahaha, de novo! E “pestanas”, só para confirmar? “Cada um dos pelos da orla da pálpebra; cílios”. Certo. Ahahahah, mais uma vez! Esse Verissimo me matava!

Mas daí, ao final da carta, ele cometia sua única imprudência. “Um abraço, e escreva de novo”. E assinava: Luis Fernando Verissimo.

Bom, eu escrevi de novo. Via-me motivado, talvez, por um misto de ingenuidade adolescente, euforia juvenil, entusiasmo, inconsequência e impertinência involuntária, sem compreender, na época, que o fato de ter sido agraciado com uma missiva escrita por um dos mais incensados escritores do momento no país representava um precioso presente advindo da extrema generosidade e humildade que compunham a personalidade daquele gênio literário nascido em terras gaúchas (o tal do tripé de atributos da grandeza, conforme a tese que abre este texto), e que se eu fosse abastecido por um mínimo de bom senso, eu não abusaria mais da sua boa vontade. Aquela carta pessoal endereçada a mim era uma pérola, e eu não deveria arriscar e testar o alcance de minha sorte provocando a abertura de novas ostras, nas quais as pérolas poderiam não estar. Mas bom senso eu não tinha, e voltei a abusar.

Até porque, a deixa estava ali, nas costas do envelope, com o endereço do remetente também grafado a mão, pelo próprio. Eu agora detinha o endereço da casa de LFV, sem mais ter de passar pela incerta etapa do envio de minhas cartas à editora. Olhando em retrospecto, pode-se também detectar ali uma premonição, ou uma coincidência significativa. A rua em que ele residia, em Porto Alegre (na casa que fora habitada por seu pai, o Erico), chamava-se Felipe De Oliveira, em homenagem a um renomado poeta santa-mariense (nascido em 1890 e falecido em 1933) que emprestava (e segue emprestando) seu nome para denominar o concurso anual literário de sua cidade natal. Pois, anos mais tarde, eu venci o Concurso Literário Felippe D´Oliveira, de Santa Maria, em 1990, na categoria crônicas (1º e 2º lugares). Coincidência? Destino? Conspiração astral? Venço meu primeiro concurso literário evocando o nome do poeta que dá nome à rua em que reside meu mestre. E venço justamente no gênero em que ele se destaca, a crônica. Coisas do destino, por suposto! Renderia até crônica!

Mas, voltando à saga cartal, escrevi nova longa missiva ao mestre logo depois de reler a resposta que ele me enviara pela milionésima vez, nos primeiros dias de 1983. Porém, dessa vez, a resposta não veio. Insisti enviando outra carta em 21 de novembro, à qual, para minha surpresa, ele voltou a responder, em 3 de dezembro de 1983. Já mais íntimo, chamava-me agora de “Prezado Marcos Fernando”. Humilde (o tripé, o tripé!), começava desculpando-se pela demora em responder às minhas duas cartas anteriores, com o humor que dele eu esperava: “Não, não morri. Pelo menos, não que eu saiba”. Alegava muito trabalho, falta de tempo para colocar a correspondência em dia, as cartas iam se empilhando, mas asseverava: “Só quero que você saiba que a sua estava no topo da pilha”. Além de tudo, gentil e diplomático, aquele meu ídolo. “Obrigado pelos elogios e também pela crítica implícita às crônicas que você não gostou, mas sabe que seria incapaz de fazer pior. A piada é boa, mas sua modéstia não cabe. Você escreve muito bem”.

Aquela frase ao final da carta, confesso, eu li e reli um zilhão de vezes: “Você escreve muito bem”... “Você escreve muito bem”... Aquilo reverberava na minha mente, virou um mantra em meus ouvidos internos, e eu acreditei nele. Culpa do Verissimo!

E, por fim, ele voltava ao deslize final: “Escreva de novo, quando tiver tempo. Um abraço do Luis Fernando Verissimo”.

Eu sempre tinha tempo, ora! Escrevi de novo! Ele respondeu em julho de 1984, o que acolhi como um presente de aniversário, a mim, que nasci a 8 do mesmo mês, e ali encerrou-se nosso curto contato missival. Eu já estava na faculdade, provavelmente havia alguma cadeira em que se ensinava um pouco de bom senso e doses mínimas de semancol, o que me fez parar de perturbá-lo e me contentar com os diamantes que já havia recebido até então. Afinal de contas, não se deve abusar da humildade e da generosidade de um gênio talentoso, generoso e humilde, por mais que esses atributos sejam naturais à sua índole, como de fato o eram, no caso do LFV.


Entusiasmo sem limites resultou no recebimento de várias missivas
(Foto: Marcos Fernando Kirst)

Encontrei LFV pessoalmente pela primeira e única vez na vida na Feira do Livro de Caxias do Sul, em 2015. Ele estava lá, na praça Dante Alighieri, autografando seus livros. Pesquei da estante de casa meu representativo e manuseado exemplar de “O Analista de Bagé”, de 1982, e fui lá, enfrentar a longa fila de seus seguid... quer dizer, de seus leitores. Recebi o característico sorriso tímido, escutei a curta frase quase inaudível perguntando “para quem a dedicatória?” e recebi o autógrafo. Minha esposa registrou o momento em foto, a mesma que abre esta matéria/homenagem. Minha timidez, aliada ao semancol adestrado por décadas, me impediu de me apresentar, até porque, obviamente ele não se lembraria do adolescente impertinente de Ijuí que, assim como tantos outros espalhados pelos rincões do país, lhe endereçava cartas mais de trinta anos atrás.

Nem precisava. Suas cartas escritas a mim configuravam seu maior presente e ensinamento: um verdadeiro mestre semeia humildade e generosidade na mesma proporção com que manifesta o seu talento genial. Só assim ele se reveste da grandeza necessária para ingressar com o pé direito na Galeria da Notoriedade Eterna. De minha parte, passando a régua nisso tudo, detecto pelo menos um mérito: desde cedo, eu soube escolher bem os meus ídolos. Muito obrigado, LFV!