Caxias do Sul 19/05/2024

O retorno dos carros populares

Retomada da fabricação dos modelos mais acessíveis é estratégia para estimular o mercado brasileiro
Produzido por Luiz Carlos Secco, 04/04/2023 às 08:57:37
Foto: ARQUIVO PESSOAL

O seminário “Megatendências 2023 – O Novo Brasil”, promovido pela AutoData Editora e encerrado no último dia 24 de março, causou surpresa com a abordagem sobre a possível volta do programa do carro popular para o mercado brasileiro. O objetivo é visto como solução para a redução de demanda registrada neste início de ano e que tem tirado o sono dos diretores das empresas que compõem a indústria automobilística brasileira.

O momento atual é complicado porque quem deseja ou precisa adquirir um veículo sofre com a queda de poder aquisitivo devido à inflação e a dificuldade de obter crédito, com elevada taxa de juros.

Segundo os especialistas, parte da culpa dessa situação é da própria indústria que, focando na maior rentabilidade, preferiu dar ênfase aos modelos bem equipados, com componentes voltados à maior segurança e conforto dos usuários, mas, naturalmente mais caros, em detrimento do outrora bem-sucedido carro popular.

Com a retração das vendas neste início de ano e diante do limitado poder aquisitivo de uma grande parcela de clientes, experientes executivos e profissionais do setor discutiram sobre a volta do carro popular para os clientes de menor poder aquisitivo que ficaram mais distantes do sonho de adquirir um veículo novo.

Entre as diversas ideias discutidas, chamaram-me a atenção as ponderações de Edna Maria Honorato, presidente do Conselho Nacional da Abac (Associação Brasileira das Administradoras de Consórcios), sobre a volta da oferta de veículos a custos mais acessíveis que provocaria a adesão de clientes, sobretudo os de consórcios, uma das portas de entrada para um carro zero km.

A senhora Edna Maria é de opinião que, para o brasileiro, o carro está muito caro e que, além do preço de aquisição, existem os custos naturais do combustível, seguro, licenciamento e manutenção. Como são muitos os consumidores carentes de mobilidade, o carro popular seria uma alternativa muito importante.

Como profissional da indústria automobilística, vivi as várias etapas do carro popular, especialmente, nos anos de 1990, quando o governo brasileiro transformou o motor 1.0 em plataforma para os carros de entrada do mercado. O responsável pelo carro popular foi o presidente Itamar Franco, que, em fevereiro de 1993, quando a indústria esteve em dificuldade, determinou que o IPI (Imposto de Produtos Industrializados) para carros com motor até 1.000 cm3 de cilindrada seria reduzido simbolicamente para 0,1%.

Com o carro popular, as vendas saltaram de 764 mil unidades em 1992 para 1.131.000 no ano seguinte, com crescimento contínuo e recorde de vendas em 1997, com 1.943.000 unidades comercializadas. As vendas de veículos caíram no final dos anos 1990. Os populares chegaram a representar 71% dos veículos vendidos em todo Brasil no meio dos anos 1990.

Essa alternativa foi adotada pela indústria automobilística mais uma vez. Em outro momento de baixa demanda, nos anos 2000, as empresas novamente encontraram nos carros de preços mais atraentes a saída para manter as linhas em atividade e atrair os consumidores às concessionárias. Os carros com motorização 1.0, só que desta vez mais equipados, voltaram ao topo do ranking, ajudando a impulsionar as vendas de veículos zero km.

Embora a busca por preços enxutos continue a existir e desempenhar um papel importante na decisão do consumidor, a presença de itens opcionais tem se mostrado como um importante diferencial. Isso fez surgir um novo segmento, o de carros populares premium.

De uma certa forma, esse movimento acaba sendo cíclico no Brasil. Quando a demanda cresce, as montadoras dão prioridade aos veículos mais sofisticados, equipados e caros. Em momentos de retração, a solução é recorrer aos modelos mais simples e que, pelo preço menor, estimulam os clientes a investir na sua aquisição.

Alguns especialistas apontam que o foco da indústria automobilística em carros populares se baseava principalmente no fechamento ou protecionismo do mercado automobilístico brasileiro. Com a progressiva entrada de novas empresas na competição pelo mercado nacional, o mercado tem se alterado bastante e o consumidor tem se mostrado mais exigente.

Na verdade, é o quebra-cabeças para os executivos e os melhores resultados serão para os mais criativos.

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Luiz Carlos Secco trabalhou, de 1961 até 1974, nos jornais O Estado de São Paulo e Jornal da Tarde, além da revista AutoEsporte. Posteriormente, transferiu-se para a Ford, onde foi responsável pela comunicação da empresa. Com a criação da Autolatina, passou a gerir o novo departamento de Comunicação da Ford e da Volkswagen. Em 1993, assumiu a direção da Secco Consultoria de Comunicação.

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