Caxias do Sul 18/05/2024

Espaço para a cultura indígena

Tive a oportunidade de viver um episódio memorável visitando uma reserva indígena da etnia Kaingang em Ipuaçu
Produzido por José Clemente Pozenato, 21/07/2022 às 08:51:07
Foto: Marcos Fernando Kirst

Quando na UCS foi levado adiante o projeto de reconhecimento do Talian como patrimônio linguístico brasileiro, uma série de projetos buscava o mesmo estatuto para as línguas indígenas. Perto de duzentas ainda sobrevivem no Brasil.

As primeiras a serem oficializadas foram o tukano, o nheengatu e o baniwa, no Alto Rio Negro, no Amazonas. E de imediato São Gabriel da Cachoeira aprovou lei dando às três o estatuto de línguas oficiais do município, ao lado do português.

As pessoas em geral pensam que a cultura indígena sobrevive apenas na Amazônia. Mas é só revisitar a História para perceber que ficaram marcas por todo o país. A região missioneira guarda ainda monumentos de pedra erguidos pelos guaranis.

Em Santa Lúcia do Piaí, distrito de Caxias, os primeiros habitantes foram os indígenas Caáguas e Ibianguaras, que tinham na região “suas ocas e tocas”, dos quais restam vestígios arqueológicos, mas também alguns vestígios na memória da população local. Eles denominavam o local como “Ibiaí” – que derivou para “Piaí” –, nome que significa caminho do rio, nas duas formas do vocábulo. E Caxias do Sul, em sua origem, teve o nome de Campo dos Bugres, não por acaso.

Quem acompanhou os debates da nova Constituição Federal, em 1987, deve estar lembrado de uma cena inesquecível. Foi quando um indígena, vestido de branco, subiu à tribuna e começou a discursar, enquanto ia pintando a testa, o nariz, o rosto todo, com tinta vermelha e tinta preta, em defesa de seu povo. O nome dele era Ailton Krenak, oriundo de Minas Gerais. O resultado final foi que a Constituição aprovou a demarcação de terras indígenas.

Essa demarcação gera até hoje conflitos, não apenas jurídicos, como se pode ver pelos noticiários. Conflitos do lado de fora, mas também dentro das tribos indígenas. Não é fácil respeitar e manter a diversidade num mundo em que tudo tende a ser padronizado nos costumes, até mesmo com uma língua universal.

Tive a oportunidade de viver um episódio memorável visitando uma reserva indígena da etnia Kaingang em Ipuaçu, município do noroeste catarinense, com várias aldeias dentro do seu território, sendo uma ou duas de índios guaranis.

Por uma circunstância da fortuna, minha visita aconteceu numa data festiva: o Dia do Índio, que ocorre a 19 de abril. Adultos e crianças pintaram o rosto e o corpo segundo suas tradições e exibiram um espetáculo de canto e dança. E tive duas conversas que me serviram como aulas sobre a cultura indígena.

Uma delas foi com o pajé. Ele me explicou que os kaingangs têm duas vertentes étnicas, e que os casamentos devem sempre acontecer com marido de um ramo e mulher do outro ramo. Quem não respeita essa regra, é excluído das aldeias. Outra curiosidade que me revelou foi a de que os guaranis não gostam de plantar e de criar animais. Gostam é de andar para todo o lado, trocando coisas. Contei então a ele que eu tenho ancestrais indígenas, por parte do avô materno.

- Tenho um oitavo de sangue de índio – falei.

- Então és índio! – respondeu ele com autoridade na voz.

Outra conversa foi com um professor indígena que atuava na educação das crianças da reserva. Para minha surpresa, ele havia feito mestrado em Educação na Universidade de São Paulo, como bolsista. E me confidenciou que manter a cultura tradicional kaingang não era nada fácil. Todos queriam ter luz elétrica e ver televisão. E as crianças também relutavam em aprender a língua da tribo, queriam era aprender a língua portuguesa. E mesmo o cultivo da terra era influenciado pelas técnicas modernas, para render mais.

Em resumo, aprendi que preservar uma cultura não é sinônimo de viver no passado.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

Do mesmo autor, leia outro texto AQUI