Caxias do Sul 18/05/2024

Jogos em família

No passado, a companhia dos outros era ingrediente necessário para a diversão
Produzido por José Clemente Pozenato, 14/07/2022 às 07:50:57
Foto: Marcos Fernando Kirst

Quando vejo as crianças de hoje jogando por horas a fio diante da tela do computador, ou presas no celular, lembro que eu também, quando menino, mergulhava no prazer de jogar. A diferença é que, nos tempos da minha infância, todos os tipos de jogo exigiam companhia: não havia jogo para alguém se divertir sozinho.

A víspora – hoje parece que está fora de moda – era o principal jogo de família. Quase sempre era jogado à noite, depois da janta e antes de dormir, quando o pai e a mãe podiam também jogar porque não tinham mais nenhuma tarefa a cumprir. Vez por outra, apareciam alguns vizinhos para se juntarem ao redor da mesa, à luz do lampião a querosene.

Dependendo do número de jogadores, cada um ficava com uma ou duas cartelas. Cada cartela tinha três fileiras de cinco números, que iam de um a noventa. Quem preenchesse por primeiro uma das fileiras da cartela, com grãos de milho sobre os números, ganhava o jogo.

Na ponta da mesa sentava o cantador das pedras com número, de um a noventa, que iam sendo tiradas de dentro de um saquinho de pano. O cantador era proibido de jogar, porque ele podia descobrir o número dele apalpando as pedrinhas. E quase todos os números tinham apelido, como estes, que eram cantados, e a gente tinha de adivinhar:

- aberta a cancela: número 1;

- um coco e três potes: número 13;

- um sentado e um de pé: número 69;

- dois vadios sentados: número 66;

- dois violões sem braço: número 88;

- saracura no banhado: número 44;

- a casa cheia: número 90.

Quem completasse quatro números de uma fileira devia avisar o cantador e a mesa, gritando: Barra! E ficava na torcida para sair o número da vitória. Quem ganhasse, ficava com todos os níqueis de dentro do pires, onde cada jogador colocava uma moeda. Se faltassem moedas, eram colocados grãos de milho, ou de feijão, com valor pré-definido, de um ou dois tostões. Terminada a noitada de jogo, eram feito o acerto de conta com os ganhadores. Era um jogo bem divertido e bem coletivo.

Quando só havia quatro pessoas para jogar, a víspora era deixada de lado e jogava-se a escova, que era um jogo com duas duplas feito com quarenta cartas do baralho espanhol. O jogo é, aliás, de origem espanhola, e muito interessante como exercício de aritmética. Tanto que quem cometesse um erro matemático perdia todos os pontos. Quem quiser conhecer as regras da escova pode buscá-las na internet. É um jogo ainda vivo!

O terceiro jogo na ordem de preferência era o sessenta-e-seis, que exigia muita atenção e também uma boa dose de artimanhas... Esse é um jogo de origem alemã – sechsundsechzig em alemão, como fiquei sabendo depois – e muito parecido com o jogo do truco, também ele cheio de artimanhas.

Mas são coisas passadas, de um mundo passado...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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