Teve uma vez que um vizinho apareceu com uns coelhos. Oba, diz o filho dele, vai ter ovo de graça.
Aí o guri pegava e revirava aquela coelha a torto e a direito pra ver se não tinha um ovo despontando.
Passou um mês e nada. Até que tá, nasceu uma ninhada. Uns dez, tudo rosinha, parecia chiclé de tutti-frutti, dizia o guri.
Mas botou no nariz, não tinha cheiro de chiclé. Botou na boca, não tinha gosto de chiclé.
Vai ver os ovos ficaram dentro, raciocinou o pentelho. Pegou a faca… aquela coisa.
Mas o pior, pelo menos pra quem não era coelho na mão de criança, o pior era ter que ir a pé, de madrugada, colher marcela na Sexta Santa.
O povo ia tudo sério potreiro afora, só se via aquele rastro de sapatão de firma na geada. A barriga véia virada num buraco, que mal te deixavam comer um pão com mel naquele dia. O jeito era preencher a pança com chimarrão, a água pelando, amargando a erva mas aquecendo o peito, “pra evitar pontada dupla”.
Outra meio triste é quando botaram uma cenoura pro coelhinho, na casa do Ademar, e na manhã seguinte tava toda roída, a cenoura. O coelhinho!, disseram os menorzinhos, só que nós – que que foi será? –, a gente foi investigar.
Na verdade nem foi difícil, que do lado da cenoura carcomida tinha uns granuladinhos pretos, sabe?, aquele cheirinho doce característico. Aí depois, junto com a cenoura botaram uma baita duma ratoeira. Quando viram o resultado no dia seguinte, os maninhos menores do Ademar ficaram dizendo “o ratinho da Páscoa, o ratinho da Páscoa!”
Mas agora me veio uma boa, ou menos pior.
Era o momento de fazer ovo colorido, ovo de galinha, no caso, esvaziado e pintado com papel crepom, depois tapado com durex. Dentro botavam amendoim doce, cri-cri, acho que é o nome científico. Pintar os ovos, ficar olhando eles na prateleira, isso até que não era tão ruim assim.
– Tu fala essas coisas porque tu é um chato que não gostava de chocolate – diz minha caneta de estimação.
Pois é, mas sabe que eu não tinha nada contra. Eu até achava interessante, quando meu pai comprava uma barra na fábrica e picava uns farelos pra nós, com a mesma faca e sobre a mesma tábua em que ele cortava tempero, de modo que chocolate, pra mim, tinha sempre um gostinho de alho.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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