Nós (quando eu era hippie era nós) tínhamos um cipó mucho loco que entrou dentro da casa e saiu do outro lado, pra fora. Foi muito importante porque quando o telhado caiu, se não fosse o cipó... Só que ele um dia cresceu tanto tanto que a gente precisou (pedir perdão pra Pachamama) cortar ele fora.
A gente gostava muito de bicho também e recebia de boas todos os que apareciam. Na maioria era cachorro e gato e aranha, muita muita aranha lá naquela casa. Aranha e mosquito, essa cadeia alimentar, sendo que nós fazíamos parte da cadeia, cedendo sangue pras mosquitas prenhas.
As aranhas gostavam sobretudo de ficar nas quinas das portas. A da cozinha tinha teias tão grandes que dava pra morar dez aranhas ali bem na paz. Aranha é assim: paz. A gente tinha que se abaixar pra entrar na cozinha, evitar de arruinar as teias perfeitas que inspiravam os nossos artesanatos. Tudo uma grande harmonia olho-de-deus.
Mas um dia deu uma crise: um de nós pegou um mosquito e, tomando cuidado pra não esmagar, jogou o mosquito numa teia. A aranha se atracou. E um de nós se atracou no outro de nós:
— Tu tá interferindo no ciclo natural!
— Eu só quis dar um presente pra aranha!
Daí a gente entrou num debate: era justo pegar mosquitinhos e atirar na teia? Não seria mais politicamente correto ensinar a aranha a pescar? O ato de jogar mosquitos pras aranhas não seria uma atitude paternalista de ser humano dominador controlador do universo?
Um mal-estar insustentável e logo a nossa comunidade ruiu.
O cara que atirou o mosquito pra aranha foi trabalhar de equilibrista no semáforo. Dos outros nós é melhor não falar porque não quero falar mal. Um virou candidato, a outra continua sendo cantora. Eu, de minha parte, segui encucado com o dilema.
Só me restou fazer uma pesquisa, praticamente um projeto de iniciação científica, no quartinho em que fui morar sozinho.
A pergunta que guiou o experimento era: devo jogar mosquitinhos nas teias ou devo deixar que as aranhas capturem seu próprio alimento?
Os argumentos que militavam a favor da primeira opção (alimentar as aranhas) giravam em torno de agradecer pelo serviço prestado e, ao mesmo tempo, diminuir ainda mais o nível de mosquitedo no meu quarto.
Os argumentos a favor da segunda opção (não alimentar as aranhas) eram no sentido de não interferir na natureza mais do que o necessário. Isso não iria desorganizar o cosmos? E pior, será que as aranhas não iam ficar mimadas demais com os presentes?
O estudo consistiu em observar as aranhas durante um mês. Percebi que cada uma (três teias, uma aranha cada, sendo que na metade do mês uma das aracnídeas revelou estar grávida), cada aranha parecia passar muito bem com um mosquitinho mensal.
Um mosquitinho por mês, isso que é frugalidade.
Fiz outro experimento no mês seguinte: joguei um mosquito vivo em cada teia. As duas primeiras aranhas ignoraram o presente, mas a terceira, que recém tinha dado à luz, se atracou vorazmente no bichinho.
Estamos buscando fundos para viabilizar a continuidade da pesquisa, mas a hipótese, até o momento, é que a melhor maneira de resolver o dilema é alimentar somente aranhas mamães. O que, considerando a ordem cósmica pachamâmica, dá no mesmo que deixar as mosquitas me picarem. No fim, se trata apenas de favorecer a maternidade, pelo jeito.
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.
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