Caxias do Sul 29/03/2024

As teses de Eco sobre... teses!

Bom humor e blagues povoam os textos do grande escritor italiano
Produzido por José Clemente Pozenato, 04/03/2021 às 08:18:26
Foto: Marcos Fernando Kirst

Programei escrever um texto sobre Michel Foucault, amigo de Gilles Deleuze, mas, “furando fila”, apareceu na minha frente o Umberto Eco, por causa de uma associação adiante esclarecida...

Por ocasião do cinquentenário da UCS, celebrado em 2017, houve todo um trabalho preliminar de diversas comissões para organizar a agenda comemorativa. Um item proposto foi o de que se convidasse uma personalidade de renome mundial para marcar o evento com sua presença. Um nome que contou com a concordância geral foi o de Umberto Eco. Italiano, competente em diversos campos do conhecimento, como filósofo, linguista, semiólogo e também romancista, seria uma presença mais do que marcante para a data.

Mas ele não esperou para ser convidado. Morreu um ano antes, em fevereiro de 2016. Foi uma lástima, não apenas para nós, de Caxias do Sul. Ele foi professor titular de Semiótica na Universidade de Bolonha, por sinal a primeira a ganhar o nome de universidade nas origens da Idade Moderna.

Ficou mundialmente conhecido por seus estudos e pesquisas, mas talvez tenha sido como romancista que a fama o atingiu de cheio. Com o romance O Nome da Rosa, publicado em 1980 (só cinco anos antes de O Quatrilho!) e levado para o cinema em 1986, tendo Sean Connery como ator principal, seu nome saiu do mundo universitário e tomou as ruas.

Fosse com o escritor, fosse como ensaísta, a brincadeira sempre foi um traço visível de sua personalidade.

No livro Como se Faz Uma Tese, repleto de dicas para um bom trabalho de cunho científico, Umberto Eco começa fazendo uma blague: a maneira mais fácil de fazer uma tese, sugeriu ele, é pagar alguém para escrever. Claro que para isso é preciso ter dinheiro, ou então conseguir dinheiro do pai, o que nem sempre é fácil para quem está num curso de doutorado.

A segunda alternativa, para evitar trabalho e noites sem dormir, é a de pegar uma tese pronta no arquivo de alguma universidade e copiar, com pequenos ajustes para salvar a honra pessoal. Essa possibilidade hoje em dia é muito fácil, porque dá para acessar todas as teses do mundo na internet em PDF. Mas nesse caso, alerta Umberto Eco, é preciso torcer para que nenhum membro da banca conheça a tese original. Hoje essa é uma opção impraticável: basta escrever uma frase no Google e ele traz a fonte do texto imediatamente. Os membros das bancas de pós-graduação já tornaram isso uma estratégia para averiguar a originalidade da tese ou da dissertação.

Para quem não tem dinheiro ou não quer correr nenhum risco, dá ele então os passos metódicos a serem seguidos!

Outro lance jocoso de Umberto Eco foi a publicação do pequeno livro Pós-escrito a O Nome da Rosa, quatro anos depois do lançamento do romance:

“Escrevi um romance porque me deu vontade. Creio que seja uma razão suficiente para alguém pôr-se a narrar. [...] Para quem, para mim? Não claro, para o leitor. Escreve-se pensando em um leitor, assim como o pintor pinta pensando no observador do quadro”.

E vai ele dando preciosas lições.

Umberto Eco (1932 - 2016)

Mas o que me fez lembrar Umberto Eco quando pensei em escrever sobre Michel Foucault? É que o segundo romance de Umberto Eco tem o título de O Pêndulo de Foucault (1988), e não faltou quem visse na obra uma provocação dirigida ao ensaísta francês... Não acredito que Umberto Eco tivesse essa intenção. O romance toma como ponto de partida o pêndulo que um físico francês, de nome Jean. B. L. Foucault, instalou no teto do Panteão de Paris, em 1851, para demonstrar a rotação da Terra.

O romance deriva, depois, para o ocultismo, numa perspectiva do fantástico, ou do fantasmagórico. Na parte final, o personagem Casaubon decide viajar para a Bahia para ver de perto os rituais afro-brasileiros. Nesse ponto, um reparo deve ser feito. Umberto Eco não esteve pessoalmente na Bahia para ver de perto os cerimoniais, e a narrativa perde bastante da verossimilhança.

Mario Vargas Llosa, quando escreveu o romance A Guerra do Fim do Mundo, baseado em Os sertões – Campanha de Canudos, do jornalista Euclides da Cunha, teve esse cuidado. Foi até Canudos para ver a cor da terra, a altura das árvores, como disse a um repórter que lhe perguntou o motivo da viagem. E concluiu: a mentira da ficção, para convencer o leitor, precisa parecer verdade.

Mas isso já sugere outra história...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar

mail pozenato@terra.com.br

Do mesmo autor, leia outro texto AQUI