Caxias do Sul 20/04/2024

A última vitória de Giuseppe Garibaldi

O italiano “Herói de Dois Mundos” obteve na Serra Gaúcha uma importante conquista póstuma
Produzido por José Clemente Pozenato, 19/12/2020 às 08:00:40
Foto: Marcos Fernando Kirst

Numa dessas tramas organizadas pelo destino, segundo uns, ou por um anjo, segundo outros, passei alguns dias em Nice, na França, com a esposa e duas filhas. Não no hotel Negresco, é evidente, que ficou só como um componente do cativante cenário dessa cidade da Côte d’Azur.

A cidade, fundada pelos gregos com o nome de Niké (que significa Vitória) passou para os romanos com o nome de Nicea, pertenceu ao reino de Gênova e depois ao de Saboia com o nome de Nizza e foi incorporada à França há pouco tempo, em 1860, quando passou a chamar-se Nice.

É uma cidade cheia de encantos. Saímos de Paris com neve (era o mês de janeiro) e encontramos em Nice um clima de primavera. Sua mais conhecida atração é o Marché aux Fleurs – Mercado das Flores –, perto da praça Massena (pronuncia-se Massená).

A bela e histórica Nice, na Côte d´Azur

Massena foi um famoso general francês da época de Napoleão Bonaparte. Alfred Hitchcock foi também um aficionado de Nice: no filme Ladrão de Casaca, usou todas as suas belezas, incluídas as ruas, as praias e as colinas, como cenário para Cary Grant e Grace Kelly, no ano de 1955.

Entrando na catedral, fiquei sabendo que Santa Rita de Cássia é a padroeira de Nice, e que a flor da acácia é o símbolo da cidade. Como Santa Rita é padroeira também do meu nascimento, num certo dia 22 de maio, adotei Nice como berço afetivo.

Causou-me depois surpresa que os nomes das ruas estão escritos ainda em italiano e em francês. Surpresa maior foi descobrir que existe lá uma Praça Garibaldi e um museu contando a história de Giuseppe Garibaldi (1807 – 1882), também ele um nizzardo, isto é, um italiano nascido em Nice.

Um 'nizzardo': Giuseppe Garibaldi, o "herói de dois mundos"

No museu, outra descoberta: numa estante vi um livro escrito por Alexandre Dumas, com o título de Mémoires de Garibaldi. A primeira frase já impressionava: “Nasci em Nice, na mesma casa e no mesmo quarto em que nasceu Massena”. E dizer que visitei esse quarto...

Alguns anos depois, uma editora de Porto Alegre – a L&PM – publicou a tradução desse livro de Alexandre Dumas, o mesmo autor de O Conde de Montecristo e de Os Três Mosqueteiros. Pois a pena desse famosíssimo escritor conta, em primeira pessoa, as aventuras de Garibaldi “a serviço da República do Rio Grande”. Narra sua chegada à Província de São Pedro, sua passagem pela Lagoa dos Patos, a expedição a Santa Catarina, onde Garibaldi encontrou a mulher de sua vida no porto de Laguna: a Anita. Seu nome completo era Ana Maria de Jesus Ribeiro.

Dumas segue contando a Paragem em Lages e nos arredores do casal apaixonado, onde tiveram um filho, Menotti Garibaldi. Não por acaso a localidade ganhou o nome de Anita Garibaldi, hoje um município. Por ali perambulei também num trabalho de pesquisa de usos e costumes.

De lá Garibaldi veio com Anita e Menotti para o Rio Grande do Sul, passando por Vacaria e pela “assombrosa floresta das Antas”. É isso mesmo, Giuseppe Garibaldi passou a cavalo, com a mulher e o filho, pelos matos do Rio das Antas. Alcançaram o Rio Taquari e de lá seguiram por via fluvial até São José do Norte, de onde, depois de um “fracasso colossal”, tiveram que fazer “a mais humilhante das retiradas”.

Terminavam aí as andanças de Garibaldi pelo território gaúcho. Seguiu com Anita e o filho até Montevidéu. Lá embarcaram para a Itália, onde Garibaldi comandou a guerra da unificação italiana. Obteve êxito nessa empreitada, consagrando-se como “herói de dois mundos”. Mas ao invés de se tornar república, como era o projeto de Garibaldi, os senhores da política decidiram que a Itália seria um reino, comandado pelo rei Vítor Emanuel. Para cúmulo da sua desgraça, um plebiscito comandado pela França decidiu que Nice deixaria de ser italiana. Garibaldi tentou fazer um novo referendo, para ela voltar a ser da Itália, mas não teve sucesso. Encerrada a carreira, foi para Paris, onde se tornou amigo e confidente de Alexandre Dumas.

Mas é preciso ler todo o livro para entender por que Dumas se empolgou tanto com a história desse guerreiro, ou “mosqueteiro”.

Tempos depois, na cidade de Florença, outra vez Garibaldi estava à minha espera. A duas quadras do hotel em que me hospedei havia uma osteria antiga, com este letreiro numa das janelas: “Neste quarto Giuseppe Garibaldi passou a noite de ...” (Não anotei a data).

A última vitória de Giuseppe Garibaldi aconteceu aqui na Serra. A 31 de outubro de 1900, a antiga Colônia Conde d’Eu tornou-se freguesia autônoma com o nome de Garibaldi. O revolucionário republicano usurpava o nome de um herdeiro da coroa do império do Brasil! E, ainda por cima, francês! Como seu parceiro da epopeia farroupilha, Bento Gonçalves, fizera dez anos antes com a vizinha Colônia Dona Isabel, que homenageava a Princesa Isabel, esposa do Conde d’Eu...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.

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