Caxias do Sul 04/05/2024

A força do Rio das Antas

Águas que viraram notícia devido à recente tragédia no RS guardam caudalosas histórias
Produzido por José Clemente Pozenato, 07/09/2023 às 08:07:11
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Com o Rio das Antas ganhando noticiário nacional, depois que a água da enchente arrastou a ponte de ferro entre Farroupilha e Nova Roma, uma ponte com noventa anos de idade, é interessante relembrar a história desse rio, pelas margens do qual até Giuseppe Garibaldi desceu a cavalo, junto com sua Anita e o filho.

Vinte anos depois dessa ponte de ferro, foi construída, entre Bento Gonçalves e Veranópolis, a ponte Ernesto Dornelles, em arco, sem pilares dentro do rio, numa sábia precaução contras possíveis enchentes. É uma das maiores pontes do mundo nesse formato.

Balduíno Rambo (1906-1961), jesuíta de origem alemã que se notabilizou como botânico e geógrafo quando professor da Ufrgs, sobrevoou todo o vale do Rio das Antas em 1940 e fez dele uma descrição em seu livro A Fisionomia do Rio Grande do Sul, publicado em 1942:

O Rio das Antas – como o Caí e o dos Sinos superior – se acha profundamente cortado e escavado até além do fundamento de arenito. Em consequência disso a acidentação do terreno é máxima perto desses rios. [...] A do Rio das Antas, com seus numerosos afluentes, é menos profunda, mas mais abrupta e selvagem.

Entre 2007 e 2008, quando da construção das três usinas hidrelétricas do Complexo Energético Rio das Antas (Monte Claro, Castro Alves e 14 de Julho), o Projeto ECIRS, da Universidade de Caxias do Sul, foi contratado para desenvolver o programa “Salvamento do Patrimônio Histórico e Cultural” da região. Foi uma excelente oportunidade para eu conhecer não só a geografia, mas também a história dos “peraus do Rio das Antas”, na forma popular de designação dessa área. Na obra resultante dessa pesquisa, ficou registrado: que “em resumo, percorrer o vale do Rio das Antas é oferecer uma festa para os sentidos”.

Mas também ficou esclarecido como se deu o povoamento das margens do rio pelos imigrantes. Quando se fez a distribuição de lotes coloniais na Colônia Dona Isabel (hoje Bento Gonçalves), e na Colônia Caxias, grandes áreas à margem do rio não foram demarcadas nem ocupadas, por ser uma área considerada imprópria para a agricultura, dado o relevo acidentado do terreno. Mario Sabbatini, um historiador italiano que estudou a região de imigração italiana por ocasião de seu centenário, em 1975, refere que só vinte anos depois da chegada dos primeiros imigrantes foram distribuídas as “sobras de terra” na Colônia Dona Isabel.

Também nessas áreas instalaram-se famílias polonesas, imigrantes tardias, cuja história foi registrada por João Ladislau. Wonsowski, no livro intitulado “Nos peraus do Rio das Antas” (UCS/EST, 1976). Eram poloneses vindos da região dominada pela Rússia e de outra ocupada pela Prússia. A estimativa é de que cerca de 250 famílias se estabeleceram nos dois lados do Vale do Rio das Antas. Mas como elas estavam acostumadas a trabalhar em terrenos planos, acharam muito difícil cultivar esses terrenos escarpados. E quase todos eles migraram depois para novas colônias, na localidade hoje conhecida como Casca.

Com o fenômeno conhecido como “êxodo rural”, que teve seu ponto máximo nos anos de 1970, as margens do rio foram sendo despovoadas, com as seguintes consequências, registradas no relatório do ECIRS:

“Com a evasão dos habitantes, desapareceram muitas marcas materiais de sua cultura. De um modo geral, toda a região do vale vem cedendo lugar a um reflorestamento natural, que vai recobrindo as antigas áreas de cultivo, de certa forma devolvendo ao olhar as características da paisagem de antes da colonização”.

Peripécias nunca faltaram nas margens do Rio das Antas...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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