Caxias do Sul 05/05/2024

A bola elétrica em Catar

Três tipos de pelota faziam a alegria do cronista em seus tempos de futebolista de várzea
Produzido por José Clemente Pozenato, 08/12/2022 às 12:07:42
Foto: Marcos Fernando Kirst

Foi só eu escrever aqui que o formato da bola na Copa do Mundo do Catar não tinha se tornado assunto da mídia que um fotógrafo flagrou nos bastidores de um estádio uma fila de bolas presas em tomadas elétricas. Feita a inquirição junto às autoridades da FIFA, veio a confirmação: as bolas usadas em campo são, sim, elétricas. Elas estão providas de sensores que enviam mensagens a um receptor do árbitro e à cabine do VAR. Uma tecnologia refinada para evitar erros. O que não impediu erros, reclamações e protestos...

Em minha obscura carreira de futebolista de várzea, travei contato com três tipos de bola de futebol, sem contar aí as bolas de meia e as de borracha colorida.

A primeira era a bola de tento, assim denominada porque tinha um tento, isto é, uma pequena tira de couro com que a bola era amarrada depois de se encher a câmara de borracha. Essa bola tendia, com o tempo e o uso, a adquirir um formato próximo da elipse, o que exigia muito cuidado quando ela clicava no chão: a gente precisava de uma fração de segundo para saber para que lado ela ia saltar, o que não deixava de ser um ingrediente interessante do jogo.

A segunda era a bola de “ventil”, como a gurizada chamava. Era dotada de válvula, que substituiu a costura, por onde se enfiava o bico da bomba para encher a bola de ar. Quem carregava essa bomba debaixo do braço, podia-se saber, era o dono do time. Sem a bomba, não havia bola. Essa bola quicava sem surpresa, mas no momento de cobrar uma falta, era prudente deixar a válvula voltada para o ponto em que ia bater o pé. Acho que por isso é que até hoje os jogadores ficam rodeando a bola no chão até achar o lado de bater nela.

A terceira bola era evolução da segunda, mas com uma proteção externa melhor, o que dava condições de se jogar no barro e na chuva sem ela dobrar de peso. Daí por diante, acho que só houve alterações no formato dos gomos e nas cores. Até que veio a tal da Jabulani. E agora a bola elétrica...

Como não tenho mais pernas nem fôlego para testar pessoalmente esses artefatos, fico com a opinião dos jogadores, que o Dunga também defendeu ao dizer que quem nunca pisou num gramado e nunca chutou uma bola, só sabe falar. Além disso, costumo desconfiar da alta tecnologia. Quase sempre ela vem acompanhada de alguma lacuna a que não foi dada atenção. Por isso cismo até com o computador. Não por acaso apareço em fotografia com uma máquina de escrever!

No caso da bola de circunferência perfeita e peso perfeito, que funciona perfeitamente num túnel de vento, o detalhe desprezado foi o de que a bola “precisa ter lado”. Lado de chutar, lado de pegar, lado de dar a curva. Bom jogador é o que sabe qual é o lado certo da bola: foi por saber disso que Didi se tornou imortal com o gol de “folha seca”, em que o goleiro nunca sabe como defender. Se a bola é certa de todos os lados, ela só pode estar errada!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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