Caxias do Sul 05/12/2024

Serra Gaúcha perde um de seus líderes: o homem que reergueu a Todeschini das cinzas

José Eugênio Farina, de Bento Gonçalves, faleceu nesta quarta-feira, aos 95 anos
Produzido por Silvana Toazza, 27/05/2020 às 17:30:06
Serra Gaúcha perde um de seus líderes: o homem que reergueu a Todeschini das cinzas
Seu Geninho, como era conhecido, era um exemplo de superação
Foto: Divulgação

A indústria da Serra perde um dos seus grandes e mais longevos líderes. José Eugênio Farina, presidente do Conselho Consultivo do Grupo Todeschini, conglomerado de móveis com sede em Bento Gonçalves, faleceu nesta quarta-feira (27), por complicações provocadas por um AVC, deixando uma história de superação e inspiração.

Em nota de pesar, a direção da companhia afirma que “Seu Farina, como é conhecido por todos, deixa um legado de empreendedorismo, liderança, trabalho e respeito a todos que conviveram com ele. Lamentamos e compartilhamos o pesar neste momento de perda com sua família.”

Fábrica de acordeões nos seus primórdios. Crédito: Acervo Estúdio Geremia

De acordeões a móveis

Em 1971, José Eugênio Farina adquiriu ações de alguns dos sócios da Todeschini S/A, reconhecida na época como uma das mais proeminentes fabricantes de acordeões da América Latina. Entretanto, o famoso instrumento já estava entrando em declínio comercial, uma vez que desde os anos 1960 o cenário musical sofria uma profunda transformação, e as guitarras elétricas passaram a ser o instrumento da moda.

Uma reviravolta aconteceria, no entanto, exatos 51 dias depois de Seu Farina ter ingressado na empresa. Um incêndio de grandes proporções, na noite de uma sexta-feira, em 13 de agosto de 1971, causado por um curto-circuito no setor de pintura, teve início na fábrica, terminando por destruir todas as instalações, incluindo máquinas, equipamentos e matérias-primas.

Fogo na fábrica em 1971. Crédito: Acervo Todeschini

O fogo, apesar dos esforços dos bombeiros e da comunidade, avançou a madrugada e boa parte do dia seguinte. Reconstruir uma empresa que tinha se transformado em cinzas não era apenas um objetivo na vida de José Eugênio Farina: era uma missão.

Reerguida sobre os escombros da antiga fábrica, a Todeschini retornou à ativa mais de dois anos depois do incêndio, abandonando a fabricação de acordeões para migrar para o filão moveleiro. Enquanto isso, a produção para o setor de móveis foi instalada de forma provisória (e precária) no pavilhão da Fenavinho. Mais do que investimentos, os funcionários foram determinantes nesta tarefa árdua:

“O dinheiro era escasso, tínhamos de continuar a produzir, criar mercados, criar condições de trabalho no pavilhão da Fenavinho e, ao mesmo tempo, ir reerguendo a fábrica que havia queimado. Primeiro, tivemos de demolir tudo o que havia sobrado em pé, para depois dar início à reconstrução propriamente dita. E tudo isso foi feito com nossos próprios funcionários, com a nossa gente. Optamos por usar a mão de obra de funcionários nossos até para manter os empregos”, revelou Farina, em entrevista para o livro "Todeschini – A arte de se reinventar", escrito por Marcos Fernando Kirst.

Na época, em busca de um novo nicho de mercado, a Todeschini decide produzir o que é considerado o mais difícil para o setor: cozinhas, “as melhores e mais competitivas”.

O esforço e as estratégias da Todeschini deram certo e a transformaram hoje num dos maiores conglomerados de móveis planejados da América Latina. Com 81 anos de história, possui um parque fabril de 54 mil metros quadrados, que produz diariamente 600 toneladas de produtos. São cerca de 1,2 mil funcionários.

Entre as melhores empresas para se trabalhar

Aliás, a preocupação com os trabalhadores está no DNA da grife de móveis, uma das melhores empresas para se trabalhar no Brasil. Em 2004, encabeçou o ranking do Guia Exame – VOCÊ S/A As Melhores Empresas Para Você Trabalhar, sendo eleito o melhor ambiente corporativo no país.

Na época, o presidente e acionista controlador da Todeschini, José Eugênio Farina, recebeu o prêmio em uma festa promovida pela Editora Abril, em São Paulo. Na volta, foi recebido pelos funcionários no aeroporto, que o carregaram nos braços, numa cena memorável. Os mesmos braços que reergueram a empresa e empunhava o troféu que simbolizava a essência da companhia que não fundou, mas ajudou a redefinir seus rumos.

“Uma máquina você fica com ela a vida inteira, se quiser. Você instala ela, cimenta no piso e pronto: ela não sai mais do chão. Mas com um ser humano não é assim. Você não segura uma pessoa pelo cabresto. Você segura ela pela confiança que ela tem em você. E, na verdade, você não segura ninguém. Ela é que faz questão de ficar, porque acredita em você”, filosofou “Seu Geninho”, em entrevista ao escritor Kirst para o livro da Todeschini, na ocasião do aniversário de 70 anos de história da companhia, em 2009.

Gratidão, José Eugênio Farina, pelo exemplo de luta e superação. Pelo olhar generoso. Pelo empreendedorismo. Jamais será esquecido!