POR SILVANA TOAZZA
Ele praticamente desbravou um setor. Passou a falar sobre Mercado Livre de Energia em um momento em que o empresariado da Serra Gaúcha ainda desconfiava de uma nova alternativa de compra de energia elétrica que estava surgindo. O desconhecimento era tanto que ele era obrigado a esclarecer perguntas do tipo “mas terei de colocar uma rede elétrica nova até a empresa?”; “se cair a chave aqui em frente à nossa empresa, não seremos retaliados pela distribuidora local?”
Cléo Diehl Moraes, fundador da Perfil Energia e com experiência anterior na CEEE, venceu obstáculos, ouviu muitos “nãos”, educou os executivos, não se calou diante da oportunidade de descortinar um mercado que representa redução de custos, consciência ambiental e maior competitividade às companhias.
Hoje, ele comemora. Sua empresa, nascida num pequeno espaço do piso térreo de uma residência no bairro de Lourdes, tendo na equipe somente ele e a filha mais velha, Marcela Sperb Moraes (hoje CEO), festeja em 2022 seus 20 anos de história. Passadas duas décadas, ocupa um andar inteiro em prédio imponente no bairro Exposição, tem 41 funcionários e uma carteira ampla de clientes que a coloca num patamar referencial. A Perfil Energia tornou-se a maior consultoria de gestão de energia independente do Sul do país, com matriz em Caxias do Sul e filial em Joinville (Santa Catarina).
Cléo Diehl Moraes e a equipe talentosa de funcionários da Perfil Energia
Valeu a pena derrubar mitos, barreiras, não desistir e ajudar o empresário a reduzir, em média, 33% na sua fatura de energia elétrica?
“E como valeu a pena! Não foi pouco o que eu trabalhei. O empreendedor tem de ser persistente. Você não pode se abater diante de um, dois, três ou quatro fracassos. Você tem de continuar, persistir, seguir em frente”, responde Cléo Diehl Moraes, que hoje gere a empresa tendo como sucessoras e braços direitos as filhas Marcela Sperb Moraes (CEO da Perfil Energia) e Fernanda Sperb Moraes (chefe executiva de operações), juntamente com Renan Tronco, diretor de Estratégia.
A seguir, entrevista exclusiva à seção Conversa Afiada com esse empresário inspirador:
Trabalhar no Mercado Livre de Energia te seduz, traz brilho no olhar?
Cléo Diehl Moraes: É um trabalho apaixonante. Imaginem atuar numa empresa que ajuda outras empresas a se tornarem mais competitivas, reduzindo seus custos e, por consequência disso, vendem mais, empregam mais, movimentam a economia, gerando emprego e renda. De quebra, ainda entregamos energia de fonte renovável. Estamos colaborando com o nosso planeta. Que negócio maravilhoso! A energia elétrica está normalmente entre os três maiores gastos na estrutura de custos de uma empresa (ao lado de outras matérias-primas e pessoal).
Quanto absorve, no geral, o Mercado Livre de Energia no país?
Aproximadamente 35% é o quanto responde hoje o Mercado Livre no total de consumo nacional de energia elétrica.
Ou seja, há muito espaço para crescer. O que mais limita?
Hoje, a falta de conhecimento é irrelevante. O que mais restringe é que quem pode acessar o Mercado Livre são companhias que possuem determinado volume de consumo (demanda mínima de 500 kW por mês), mas isso está mudando.
O que vem pela frente?
Existe um projeto de lei em tramitação no Congresso, que vai alterar isso. O nosso futuro é o mercado 100% livre. Teremos um cronograma que possibilitará o gradativo ingresso dos consumidores de energia ao Mercado Livre até chegar nos de pequeno porte, como residenciais. Isso impactará diretamente na forma de contratar energia de todos os brasileiros. Não teremos mais de responder a uma distribuidora específica. É o modelo da telefonia, mal comparando. Você poderá escolher a operadora e tem a portabilidade. De qualquer forma, os limites aos poucos já estão diminuindo para as empresas, e haverá cada vez mais entrantes nesse mercado.
Quais são os principais setores atendidos hoje?
Indústrias, hospitais, instituições de ensino, shoppings, companhias do agronegócio e grandes redes de lojas, até porque, esse volume de energia pode ser atendido pela composição de várias unidades com o mesmo CNPJ.
Por que a energia é de fonte renovável? Como funciona?
Os operadores no Mercado Livre precisam disponibilizar fontes de energia renováveis, consideradas incentivadas. Eles constroem pequenas centrais hidrelétricas, que são usinas com um limite de potência e de área de alague. Há fontes eólicas (a partir do vento) e outras que geram energia por meio da biomassa (de origem vegetal). No caso do Rio Grande do Sul, que produz 80% do arroz consumido no Brasil, temos várias usinas que geram energia a partir da queima de casca de arroz no nosso Estado, solucionando inclusive um problema ambiental. Também se pode usar resíduos de madeira, e no centro do país se utiliza muito o bagaço de cana-de-açúcar, um rejeito da indústria que produz açúcar e álcool. Temos, então, fonte solar, eólica, pequenas centrais hidrelétricas e usinas de biomassa. Essas empresas investem nesse tipo de usina exatamente para entrar no Mercado Livre e vender essa energia para os nossos clientes, considerados especiais. Todas têm um limite. Não podem vender indefinidamente. Há um controle por parte de um órgão que estabelece um limite de tantos megawatts/hora por usina. Há contratos de curto e longo prazo, levando em conta operações de sobra e falta de energia, cujos preços de mercado são distintos. E nós fazemos essa gestão.
Hoje, a barreira do desconhecimento foi vencida no setor?
Eu diria que sim. Os nossos clientes que prospectamos têm conhecimento razoável. Não é preciso mais responder se terá uma nova rede elétrica. Ninguém mais pergunta isso. Eles ficam às vezes um pouco desconfiados pelo fato de orientarmos para que façam contratos mais longos, impactando positivamente na previsibilidade orçamentária da empresa. Hoje, nossos clientes compram energia para até 2028, por exemplo, e sabem quanto pagarão lá adiante. Não haverá mais surpresas. Os contratos longos, por vezes, causam desconfiança. “Não sei se a minha empresa estará ainda aqui”, dizem alguns empresários. Não adianta entrar no Mercado Livre e fazer contrato de curta duração pois uma das grandes vantagens do Mercado Livre é a garantia de preços estáveis obtida através de contratos de longo e médio prazos.
Qual sua formação?
Tenho formação em nível médio em Eletrotécnica, graduação em Administração e mestrado em Turismo, mas com uma linha de pesquisa na área de Administração, mais especificamente em Gestão de Serviços. Comecei no setor elétrico na CEEE, regional de Caxias do Sul, empresa em que passei por vários cargos, culminando com a gerência comercial daquela que era a maior regional do interior do Estado, ou seja, Caxias. Na CEEE permaneci por 22 anos.
Bastidores: em entrevista, empresário relembra como abriu caminho num setor na época desconhecido (foto: Rafaella Lazzarotto)
De onde surgiu a ideia de fundar a Perfil Energia, quando o assunto de Mercado Livre ainda era incipiente?
A Perfil foi idealizada com o objetivo de auxiliar empresas a efetuar uma gestão eficaz do insumo energia, por sugestão de vários amigos e conhecidos ligados a empresas de Caxias, que conheci durante o período em que trabalhei na CEEE. Em 2005, após a então recente reestruturação do setor elétrico brasileiro, e a consequente criação do ambiente de contratação livre, fui convidado a representar uma empresa comercializadora de energia com sede em Curitiba, onde permaneci por um ano e meio. Porém, ao longo desse breve período, percebi que comercializadoras de energia, em regra, operavam no mercado simplesmente comprando e vendendo energia, obtendo seus resultados nessa operação. Foi assim que tivemos o insight de estruturar o nosso negócio, com foco no cliente, buscando efetuar a gestão integral da energia para os nossos consumidores, indo em busca da melhor alternativa de compra da energia, sem vínculos com empresas geradoras ou comercializadoras de energia.
Como é chegar aos 20 anos de história com uma empresa consolidada no setor?
É extremamente gratificante, considerando os altos índices de mortalidade de empresas nos seus primeiros cinco anos e a complexidade do mercado em que atuamos. Mas, acima de tudo, acredito firmemente que o nosso sucesso se deve à forma como as pessoas que trabalham conosco incorporaram os nossos princípios e valores e no nosso dia a dia transformam cada interação com os nossos clientes em uma oportunidade única de mostrarem o quanto somos diferentes, mesmo diante de uma reclamação. São os nossos “momentos da verdade”, um verdadeiro momento de encantamento. A gente está sempre perseguindo o melhor, a excelência.
Durante a crise da Covid-19, a empresa deu o seu maior salto. Os empresários passaram a olhar com mais atenção para suas estratégias e planilhas de custos?
Isso aconteceu, sim, mas, por outro lado, a crise nos proporcionou a chance de olharmos para as oportunidades que dela decorreram. Com a quase paralisação das atividades econômicas em função das restrições decorrentes da Covid-19, os preços da energia despencaram. Isso nos propiciou a montagem de uma força-tarefa interna com o objetivo de identificar todos os clientes que estavam por renovar os seus contratos de compra de energia nos anos de 2022 e 2023. Procuramos todos eles e demonstramos o benefício complementar que teriam se renovassem seus contratos por mais cinco anos: eles obteriam uma economia adicional média de 20%, além do que já vinham alcançando até então. Tivemos 100% dos contratos renovados. Além disso, o preço baixo da energia naquele momento foi um fator que determinou a viabilização de muitos novos contratos, duplicando nossa carteira de clientes em dois anos.
A Perfil Energia é hoje gerenciada ao lado da família. Como se sente ao passar esse legado?
Agradecido à minha esposa (Marilaine Sperb Moraes) que, num momento de indecisão, me incentivou a criar a Perfil, e às minhas duas filhas que estão envolvidas no dia a dia da empresa e têm se mostrado profissionais extremamente competentes. Ao longo desses anos, procurei passar a todos a minha visão sobre prestação de serviços de excelência. Se em algum dia bastava atender o cliente, descobriu-se, mais tarde, que precisávamos satisfazê-lo. Hoje, sabe-se que é preciso surpreendê-lo e, ainda mais do que isso, encantá-lo. É isso que temos perseguido e, aqui na Perfil, todas as pessoas têm isso bem claro.
Como criar uma empresa de sucesso?
Na minha visão, é preciso, inicialmente, identificar uma necessidade ou desejo não atendido, seja por parte de pessoas ou organizações. Em seguida, orientar-se através de um plano de negócios muito bem fundamentado. Buscar as ferramentas tecnológicas mais adequadas, mas, sobretudo, cercar-se de pessoas éticas, comprometidas e persistentes. Não é necessário que tenham experiência nas suas respectivas áreas de atuação, pois isso se obtém no dia a dia da empresa e com treinamento. E, por último, não se abater após algumas tentativas frustradas, lembrando sempre que “o custo de estar errado é menor do que o custo de não fazer nada”, como disse Seth Godin, autor e palestrante americano.
Que dicas devem ser observadas pelos jovens empreendedores?
Prepare-se. Como disse o escritor espanhol Miguel de Cervantes, “Estar preparado é a metade da vitória”. Adapte-se: as necessidades e desejos mudam com extrema velocidade. Não tenha medo de redirecionar a sua rota. Esteja atento às mudanças de percepção de valor dos clientes e resista, apesar das frustrações. “O fracasso é apenas uma oportunidade para recomeçar com mais inteligência”, como já disse o empresário norte-americano Henry Ford.
Um sonho no horizonte...
Lá bem no final da minha vida, ter a nítida certeza de que fiz as coisas certas.
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