Caxias do Sul 29/03/2024

O álbum Beatle que virou dois

“Let it Be” foi o último álbum lançado pela banda, em 1970, mas foi o penúltimo a ser gravado. E ganhou versão nova em 2003
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 08/04/2020 às 08:38:42
O álbum Beatle que virou dois
Concerto do Telhado foi o canto do cisne dos Beatles, em 1969, encerrando as sessões de "Let it Be"
Foto: Reprodução/Divulgação

POR MARCOS FERNANDO KIRST

Quem no mundo não gostaria de ter sido um Beatle? Se não pela fama, fosse pela grana; se não pela grana, pelo talento; se não pelo talento, pela História; se não pela História, pela fama... Porém (ah, não fossem os poréns...), houve quatro pessoas no mundo, ao longo do mês de janeiro de 1969, cujo último desejo na vida era serem um dos Beatles: John Lennon, Paul McCartney, George Harrison e Ringo Starr. Os próprios Beatles!

Isso porque o clima de tensão entre os quatro membros da mais famosa banda de rock de todos os tempos, no período em que ela se esfacelava, era insuportável, e o fim do grupo acenava no horizonte como uma libertação. Mesmo assim, acotovelaram seus espaçosos egos dentro do estúdio para gravar um punhado de pérolas que viriam a compor o álbum “Let it Be”, lançado oficialmente em maio de 1970 e se configurando como o último disco da banda. O último lançado, porém, não o último gravado: “Abbey Road” foi produzido depois de “Let it Be”, mas levado a público antes, em setembro de 1969.

Foi para colocar um fim nas tensões e no projeto de “Let it Be” (que havia nascido com o título provisório de “Get Back”), que o quarteto encarapitou-se no telhado do prédio da Apple (a empresa fundada pelos Beatles), em Londres, em 30 de janeiro de 1969, e protagonizou o último concerto ao vivo reunindo os quatro rapazes de Liverpool. A performance entrou para a História como “O Concerto do Telhado”, e os Beatles jamais voltariam a se apresentar juntos ao vivo outra vez.

Feito isso, cada um foi para um lado rosnar contra os outros parceiros e cuidar da própria vida, até serem reconvocados por Paul McCartney, em fevereiro de 1969, para retornar aos estúdios e gravar “Abbey Road”, que seria lançado em setembro daquele ano. O material de “Let it Be” acabou escanteado, e chamaram então o produtor norte-americano Phil Spector para finalizar as músicas, já que George Martin, o produtor oficial da banda (chamado “o quinto Beatle”), recusou-se a mexer naquilo, que ele considerava “de má qualidade”. A tal “má qualidade” reunia canções como a faixa-título “Let it Be”, “Get Back”, “I´ve Got a Feeling”, “The Long and Winding Road”, “Across the Universe” e outras. Mas tudo bem.

Spector, então, pegou as fitas dos ensaios e foi para o estúdio, onde acrescentou overdubs, metais e outros barulhinhos de fundo nas faixas, finalizando o disco. Os Beatles, especialmente Paul, detestaram o produto final e praticamente renegaram o álbum, a ponto de nenhum deles comparecer ao evento de lançamento, em maio de 1970, até porque, haviam recém comunicado ao mundo o fim da banda e seus níveis de mágoa e de estresse uns com os outros atingiam o ponto de explodir termômetros.

Mas daí a vida continuou, ninguém morreu por causa do fim dos Beatles, cada um dos quatro seguiu carreira solo e John Lennon foi assassinado em 8 de dezembro de 1980, acabando de vez com qualquer especulação que ainda pudesse persistir em torno de alguma reunião da banda. George Harrison morreu em 29 de novembro de 2001 e, então, restaram Paul e Ringo. Com a anuência das viúvas Yoko Ono (de John) e Olívia Arias (de George), a dupla remanescente botou as mãos no material original das gravações das sessões de “Let it Be” e, em novembro de 2003, lançou uma nova versão do álbum, pretensamente no formato como os Beatles teriam desejado lá em 1969.

Intitulado “Let it Be... Naked”, a segunda versão do disco exclui e inclui canções, e retira as mixagens feitas por Phil Spector em várias delas, deixando-as mais “cruas”, como eles (especialmente Paul) queriam. A intenção foi “despir” as músicas da parafernália extra incluída a posteriori pelo produtor, daí o termo “naked” (“nu”) no título da nova versão. Qual das duas é a melhor? Eis um ótimo exercício de repetição infinita de audições para passar a vida tentando encontrar a resposta...

Para ter uma ideia, compare as versões de “The Long and Winding Road” nos dois álbuns. Sente os sons:

Versão oficial https://www.youtube.com/watch?v=fR4HjTH_fTM

Versão “naked” https://www.youtube.com/watch?v=lfVAJNqWw84