Caxias do Sul 29/03/2024

Canção beatle revela detalhe sobre filho de John Lennon

Quem, afinal, Paul McCartney pretendia homenagear com sua “Hey Jude”?
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 01/04/2020 às 09:48:28
Canção beatle revela detalhe sobre filho de John Lennon
Julian e seu pai, John Lennon, em meados da década de 1960
Foto: Fotografia: Getty Images

POR: MARCOS FERNANDO KIRST

Paul McCartney sempre contou a história pela metade e nós, beatlemaníacos, entendíamos mas não compreendíamos. Sempre ficava um ponto de interrogação pairando sobre nossas cabeças, porém, dávamos de ombros (“don´t carry the world up on your shoulders”), dizíamos “ok”, apreciávamos mais uma vez a canção e seguíamos em frente. Nada em nossas vidas mudaria se desvendássemos o mistério pulsante por trás do processo de criação de “Hey Jude”, uma das mais famosas canções dos Beatles, composta por Paul em uma situação específica que na sequência relembraremos.

Quer dizer, a vida de um beatlemaníaco muda, sim, sempre que ele descobre mais um detalhezinho sobre um detalhezinho que elucida um detalhezinho que vai amplificar seu conhecimento sobre o universo Beatle. Assim sendo, essas coisas até podem ser aparentemente deixadas para trás (“let them be”), porém, lá no fundo, seguem incomodando e pedindo atenção. Até o dia em que, em meio a misteriosas turnês mágicas, trilhando longas e sinuosas estradas, a luz de repente aparece, vinda de um encontro inusitado com um texto, um documentário, um amigo, uma torta flamejante.

O mistério se descortina e tudo passa a fazer sentido. Aconteceu comigo dia desses, e, agora, “Hey Jude” passa a fazer todo o sentido do mundo. Vou compartilhar, porque essa é outra característica nossa, os beatlemaníacos: nutrimos, em compartilhar, o mesmo prazer que obtemos ao descobrir esses detalhezinhos. Afinal, no final, o amor que você leva é igual ao amor que você gerou, não é isso daí?

Vamos lá. Paul McCartney, como todo mundo sabe, compôs “Hey Jude” após fazer uma visita a Cynthia Lennon e seu filho, Julian, que haviam sido intempestivamente abandonados por John, então súbita e furaconicamente apaixonado por Yoko Ono, largando a família, os compromissos profissionais, o envolvimento com os Beatles, a leitura de livros, os passeios com o cachorro e tudo o mais, lá por 1967, logo após o lançamento do hoje icônico álbum “Sgt Peppers Lonely Hearts Club Band”.

Julian tinha por volta de 4 a 5 anos de idade e, obviamente, ficou muito triste e abatido com a situação. Tristeza e abatimento que logo se transformariam em trauma, peso a ser carregado pelo garoto (“boy, you´re gonna carry that weight a long time”) por um longo tempo. Após prestar sua solidariedade maccartyana, Paul foi para casa e inspirou-se a compor uma canção de consolo para o pequeno garoto que chorava o abandono lennoniano.

Daí, a História (e Paul) nos revela, floresceu “Hey Jude”, a canção de consolo mais famosa do planeta, enfileirando frases como “não tenha medo, pegue uma canção triste e a torne melhor” e “na, na, nanananá” por diante... Mas “Hey Jude” não nasceu já de imediato como “Hey Jude”. Primeiro, Paul a compôs evocando o apelido de Julian, “Jules”, mas não gostou da sonoridade do verso. Achou que “Hey Jules, don´t make it bad” não soava bem, e, em nome do senso estético e da posteridade de sua criação, trocou por “Hey Jude”, que, na sua visão (e ouvido), soava melhor.

Então tá, ficamos assim: conforme Paul, “Jules”, apelido de Julian, a quem a canção era dedicada e cuja persona diretamente evocava, não soava bem, e trocou por “Jude”, porque, afinal, o que importava (e de fato, é o que realmente importa) era nos conduzir harmoniosamente ao refrão para nos fazer cantar o mantra universal dos 16 intermináveis versos compostos por “nananana, Hey Jude”.

Deu certo, todos ficaram felizes: Julian “Jules” Lennon, por receber de presente uma belíssima canção de consolo; Paul, por ter encontrado um mote e inspiração para compor a belíssima canção de consolo; John Lennon, por se sentir agraciado pelo amigo beatle que se importou com a situação emocional de seu filho (mais do que ele próprio, pelo visto, mas deixemos assim) e nós, beatlemaníacos, que ganhamos de presente a belíssima canção de consolo cujo refrão é o mais fácil de ser entendido e decorado em todas as línguas do mundo, competindo somente com o “Yeah yeah yeah” do início da carreira do grupo e “Ob-la-di, Ob-la-da”, mas essa última já gera um certo trava-língua em algumas línguas.

O que raramente vem a público é o fato (os detalhezinhos aqueles, desimportantes mas fundamentais, lembram?) de que Julian Lennon não é o nome de “Jules”, o filho de John Lennon com Cynthia. Nananananana! O nome dele, caros cara-pálidas beatlemaníacos, é John, tal qual seu pai. John Charles Julian Lennon, é como se chama o filho mais velho de John Winston Lennon, o beatle. Ambos, pai e filho, têm John como prenome. Para evitar confusões familiares na hora da sopa, no breve período em que John, o Winston, permaneceu em casa com a primeira esposa e o primeiro filho, Johnny, ao invés de optar pelo óbvio apelido Johnny, passou a chamar a si próprio de Julian (segundo nome) e “Jules”, apelido.

Ah, então tá! Paul, se não fosse um artista e fosse apenas um biógrafo, teria composto “Hey John”, sem arte nenhuma, gerando uma belíssima confusão sobre quem, afinal de contas, ele estava a fim de consolar com a canção. Julian, então, é John, filho de John. Ambos Lennon. Com a diferença de que o sofrimento amargo do filho propiciou a composição de uma canção imortal.

Parte dessa história pode ser lida na série de depoimentos de filhos de personalidades famosas que o jornal inglês “The Guardian” criou em seu site. Julian Lennon é quem abre a sequência. Confira no link:

https://www.theguardian.com/lifeandstyle/2020/mar/29/he-didnt-even-pretend-to-let-us-win-the-worlds-biggest-stars-by-their-children

Aqui, a mais bela canção de consolo jamais escrita no mundo, para quem quiser lembrar: Hey Jude

www.youtube.com/watch?v=A_MjCqQoLLA