Caxias do Sul 27/04/2024

As 450 vagas na garagem de Nilson

Caxiense Nilson Neri da Silva coleciona e customiza miniaturas de veículos icônicos de filmes, seriados e desenhos
Produzido por Marcos Mantovani, 03/09/2022 às 08:03:51
As 450 vagas na  garagem de Nilson
Aos 49 anos, afeiçoado a carros, Nilson se dedica a colecionar miniaturas que vê trafegando em filmes
Foto: Marcos Mantovani

POR MARCOS MANTOVANI

Carros sempre convidaram os olhos de Nilson para dançar. Por exemplo, quando assiste a um filme ou seriado, em vez de se concentrar no enredo, os olhos dele se fixam no veículo que o protagonista dirige — Nilson presta atenção à lataria, ao tipo de pneu, à gradação da pintura. Observa tudo isso e vai guardando as informações no seu bloco de notas mental.

Depois, se o filme ou seriado mexer mesmo com ele (quer dizer, se o carro do protagonista mexer mesmo com ele), Nilson vai atrás da miniatura desse veículo. Miniaturas na escala de 1 por 64, compradas tanto pela internet quanto em lojas físicas — e também vez ou outra em eventos de colecionismo. O único detalhe é que...

Se a miniatura que Nilson adquirir não for idêntica ao veículo do filme ou seriado em questão, ele toma a iniciativa de customizá-la, algo que aprendeu sozinho, com muita tentativa e erro. É uma mistura de artesanato, design, minimecânica e minichapeação. Aliás, são coisas que combinam com a profissão dele: montador na TK Pneus Auto Center.

Para deixar as miniaturas com a cara do carro original, Nilson veste o macacão de mecânico e pega as ferramentas da sua minioficina doméstica. Recria rodas, faz pinturas específicas nas maçanetas, providencia decalques, acrescenta antenas, calotas, cibiés. Porém, é importante dizer que esses níveis de minuciosidade e critério nem sempre foram assim.

a primeira coleção

A primeira coleção passou a ganhar rosto em 1997. “Comecei sem pretensão, só pra matar tempo”, Nilson diz. E explica que aos poucos, meio sem querer, o ato de colecionar miniaturas de carros foi se integrando à sua personalidade, ao seu jeito de sentir a vida.

Ele fazia visitas regulares às tendas do camelódromo de Caxias do Sul, na Praça da Bandeira, para esquadrinhar o que havia de novidade. Mais tarde, com a internet, o Mercado Livre também entrou na geografia cotidiana de Nilson, pois ali era possível achar miniaturas estilosas, raras.

Em 2005, no ápice dessa primeira coleção, Nilson chegou a ter 980 miniaturas, mas sem uma temática e escala definidas, ferindo assim a identidade do conjunto. Valia tudo. E por isso o rack que abrigava os carros se tornou pequeno e desuniforme — a coleção era aleatória demais, os veículos não falavam o mesmo idioma.

De repente bateu um cansaço em Nilson, até porque a cada dois sábados, de modo meio exagerado, ele sentia a obrigação de limpar todos os carros. Então chegou o dia em que uma decisão precisou ser tomada, pois assim é a vida. Nilson aceitou a proposta de um comprador de Farroupilha e, com o peito se queixando um pouco, vendeu de uma só vez as 980 miniaturas.

a falta, o conselho, a sorte

Quem ama não esquece, diz aquela música. Nilson não esqueceu. Ele seguiu tocando a vida, concentrado em outros rumos, mas a verdade é que as miniaturas de carros começaram a chamá-lo de novo. Isso durante o sono e às vezes na vigília mesmo. Até que chegou o dia em que a antiga decisão precisou ser reavaliada, pois assim também é a vida.

Desta vez, Nilson teve uma vantagem. Um trunfo. Alguém especial deu a ele um conselho que faria toda a diferença. “Começa de novo, eu te apoio, mas acho que agora tu devia selecionar melhor as miniaturas, focar em alguma temática.” Quem disse isso num tom encorajador foi a mulher de Nilson, Katia.

Ele ficou em silêncio por quatro, cinco segundos. O tempo da caída da ficha. Então respirou com leveza, olhou fundo nos olhos de Katia e teve dois pensamentos, nesta ordem: 1) “Que sorte ter você na minha vida.” 2) “Vou focar a nova coleção em carros de filmes, seriados e desenhos.”

o recomeço, o xodó, o fantasma

Hoje, Nilson tem na garagem 450 veículos. Na realidade, as miniaturas estão em três expositores envidraçados, na sala do apartamento — sim, na sala, com total concordância de Katia. Carros, furgões, caminhonetes, caminhões, uma que outra aeronave, um que outro helicóptero: tudo sempre relacionado à temática cinematográfica.

Por exemplo, da franquia Velozes e Furiosos, Nilson tem 120 miniaturas, algumas delas customizadas. Ele é dono também do Chevrolet 1968 que Eddie Murphy dirigiu em Um Tira da Pesada, do Mercury 1951 de Sylvester Stallone no filme Cobra, do Ford Super Deluxe 1947 que o Sr. Miyagi deu a Daniel San em Karatê Kid.

Mas o xodó de Nilson é o Cadillac Miller Meteor Ecto-1 que os Caça-Fantasmas dirigiam em Nova York. Ele customizou boa parte do carro: fez o acabamento do teto no formato original, fez toda a pintura interna, botou o cibié característico ao lado da coluna do motorista, pôs as antenas do rádio amador, colocou pneus de borracha e uma banda branca, respeitando o molde das calotas. Uma lindeza.

Como é lindeza também uma das convicções de Nilson, que afirma não sentir vontade de expor nas redes sociais fotos das suas miniaturas, pelo fato de a coleção ser “afetiva e pessoal”, ele diz. Mesmo assim, o repórter dá um jeito de fotografar pelo menos três veículos, entre os quais o Ecto-1 dos Caça-Fantasmas, oferecendo a você a chance exclusiva de ver (se olhar com atenção) a sombra do minifantasma que mora no teto do carro.