Caxias do Sul 04/05/2024

Santa Tereza: patrimônio histórico-cultural

Assim que se recuperar dos danos que acaba de sofrer, localidade voltará a receber os visitantes de braços abertos
Produzido por José Clemente Pozenato, 14/09/2023 às 12:08:22
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Exatamente no dia 5 de novembro de 2010, o município de Santa Tereza, emancipado de Bento Gonçalves em 1992, teve aprovado o tombamento da sua paisagem urbana pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – IPHAN. Foram incluídos na área de preservação o seu espaço urbano e a paisagem de entorno.

Faz parte de minha história pessoal ter sido Supervisor do projeto de tombamento dessa “Pequena Capital”, como a denominei. Um motivo a mais para aumentar minha aflição com a ameaça da enchente do rio Taquari, que margeia a pequena cidade. Foi um alívio saber que representantes do IPHAN visitaram Santa Tereza para avaliar os estragos provocados pela inundação e que, como resultado, concluíram que, apesar de ter havido algumas perdas irrecuperáveis, é possível ainda a restauração da maior parte do centro urbano.

O perfil arquitetônico da cidade é único, resultante de um período em que o comércio do porto de Santa Tereza com a capital criou ali um núcleo urbano importante, diferenciado das demais sedes de colônia de então. Essa personalidade própria é mais um trunfo com que conta Santa Tereza ao se juntar ao seleto grupo das cidades históricas brasileiras.

A história de Santa Tereza (a grafia com z respeita documentos de origem) tem início com a criação da Colônia Dona Isabel, que foi dividida em 43 Linhas, na direção da sede, hoje Bento Gonçalves, até o rio Taquari. Como ficava mais distante, Santa Tereza começou a ser ocupada alguns anos mais tarde, em 1882, por famílias de imigrantes do Norte da Itália: esse é o motivo de a sopa de agnolini ser ali chamada de capelèti...

Conforme consta no Livro Tombo da Paróquia local, em 1885 é que foi fundado o povoado designado Santa Tereza, por ato do chefe de Comissão de Terras que destinou alguns lotes à beira do Taquari para esse fim. Essa decisão pode ser vista como um sinal de que já na época de ocupação das terras houve a percepção de que havia ali um ponto estratégico para o comércio da produção agrícola. O rio Taquari fazia ligação direta com a capital, Porto Alegre, e o povoado de Santa Tereza ficava na junção de duas colônias de imigrantes: a de Dona Isabel, e a de Conde d’Eu, hoje Garibaldi.

Como acontece com todo porto, por pequeno que seja, ele sempre se transforma num local de troca, não apenas comercial, mas também de saberes, de técnicas e de costumes. Foram essas trocas – nas técnicas de ferraria, de trabalho com a madeira, de formas de construção – que acabaram por conferir a Santa Tereza sua fisionomia urbana, reconhecida como de valor histórico.

A vitalidade comercial de Santa Tereza, iniciada no final do século dezenove, começou a decair na década de 1940. Esse processo de queda é atribuído a dois fatores: o assoreamento cada vez maior do Taquari, dificultando o uso de embarcações, e a abertura da “estrada federal”, a BR-116, que desviou todo o tráfego comercial das colônias italianas da Serra Gaúcha. Outro efeito do assoreamento era o risco de inundações, como a já ocorrida em 2001, que chegou a invadir a praça da igreja matriz.

Pela sua história, a cidade se constitui como referência cultural também no plano do patrimônio imaterial, com seus ofícios, fazeres e celebrações. Respeitar esse passado se torna mais fácil quando ele pode ser visto, concretamente, na paisagem urbana. É esse mundo quase encantado que Santa Tereza convida a visitar, assim que ela se recuperar dos danos que acaba de sofrer.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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