Caxias do Sul 15/06/2025

Quando a doença do trabalho bate à porta

Nenhuma empresa se sustenta adoecendo as pessoas que a fazem funcionar
Produzido por Ciane Meneguzzi Pistorello , 03/06/2025 às 08:25:49
Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada
Foto: Luizinho Bebber

Durante muito tempo, as empresas contaram com uma espécie de escudo: se o funcionário não ficasse afastado por mais de 15 dias, se não recebesse benefício do INSS, o problema “não era da firma”. Era pessoal. Era azar.

Esse escudo caiu.

O Tribunal Superior do Trabalho decidiu olhar para o que de fato adoece o trabalhador — e deixou claro: se a doença tem relação com o trabalho, não importa se houve afastamento ou benefício, o direito à estabilidade existe.

Simples assim. E também sério assim.

A decisão, tomada no julgamento do Tema 125, virou uma pedra no sapato de quem ainda trata saúde ocupacional como burocracia ou formalidade. Agora, não basta mais seguir o script de desligamento limpo e RH protocolar. Porque o colaborador pode sair pela porta da frente hoje — e bater na porta da Justiça meses depois, trazendo consigo um diagnóstico, uma perícia e o pedido de reintegração.

A lógica virou do avesso: o que antes era exceção virou regra, e o que parecia previsível agora exige prevenção de verdade.

Não se trata de alarde. Trata-se de realidade.

Esse novo entendimento obriga empresas a reverem tudo: protocolos, rotinas, cultura interna. Porque o risco não está mais apenas nos acidentes visíveis, mas também nas doenças silenciosas, nos transtornos emocionais, nas tendinites invisíveis que vão se acumulando em quem digita sem pausa, em quem atende sob pressão, em quem entrega meta atrás de meta até o corpo pedir trégua.

E não adianta mais alegar surpresa: a presunção do NTEP (Nexo Técnico Epidemiológico Previdenciário) vai apontar a responsabilidade da empresa com base no seu CNAE. Quer contestar? Vai precisar de laudo técnico, prontuário bem feito, exame ocupacional que não seja só "pra cumprir tabela".

Ou seja, o jogo subiu de nível. Ou sua empresa joga com seriedade, ou vai pagar a conta da negligência — com juros morais, previdenciários e judiciais.

É duro dizer, mas é preciso: quem ainda enxerga o trabalhador só como recurso, agora também vai aprender a vê-lo como risco. E, quem sabe, finalmente, como ser humano.

Porque nenhuma empresa se sustenta adoecendo as pessoas que a fazem funcionar. E nenhuma reputação sobrevive ignorando quem pede ajuda em silêncio — antes de virar processo.

Ciane Meneguzzi Pistorello é advogada, com pós-graduação em Direito Previdenciário, Direito do Trabalho e Direito Digital. Presta consultoria para empresas no ramo do direito do trabalho e direito digital. É coordenadora do Curso de Pós-Graduação Latu Sensu em MBA em Gestão de Previdência Privada – Fundos de Pensão, do Centro Universitário da Serra Gaúcha – FSG.

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