Caxias do Sul 15/10/2025

Os cuidados se transformam

O que era regra para as gerações anteriores, deixa de ser hoje, e exige paciência e compreensão
Produzido por Neusa Picolli Fante, 22/09/2025 às 08:19:02
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

O nenê de ontem muda e se transforma num outro nenê. Acompanhar o ontem e o hoje tem sido um desafio para mim, para todos nós que fomos cuidadores há algumas décadas.

Quando minhas filhas eram bebês, isso aproximadamente 30 anos atrás, as regras eram: mama e não deita sem arroto. Isso nos fazia, em madrugadas frias, ficar batendo nas costinhas da bebê até que arrotasse.

Lençóis bordados, cobertores quentinhos faziam parte do enxoval e ali estavam para aquecer o bebezinho. Deixava-se fora somente a cabecinha da bebê. Hoje? Nada de cobertor.

Quando meu neto ficava comigo, não resistia a puxar uma cobertinha para cobri-lo. Era difícil vê-lo como as mães modernas veem. Então fiquei imaginando: o que as avós diziam dos cuidados quando vivi esse cuidado com minhas bebês. O mesmo que dizemos hoje, em outras palavras.

É uma geração toda, de um tempo, que se desenvolve de uma nova maneira. De qualquer forma, percebo que aprendemos com nossas mães e avós. Os ensinamentos iam passando de geração para geração. Agora, me dá a impressão de que não vale essa regra. Tudo é diferente. Sim, reaprender sempre é o que comanda na humanidade.

Pera aí, essa deve ter sido a sensação da minha mãe e de todas as outras, que também queriam ensinar. E é a mesma impressão para as mães que agora se experimentam como avós.

Até que ponto o hoje atropela o ontem? Quem está correto, o ontem ou o hoje? Coloca ou não cobertor? Deixar sem travesseiro ou com? Lembro que utilizava os antissufocantes (acessórios que tinham uns buraquinhos para evitar que o bebê, ao se virar, sufocasse). Ele deve deitar de barriga pra cima ou de lado? Dar açúcar ou não. E o suquinho e o chá, quando introduzir?

O que dizer e o que não dizer, então? Exigências que vão se alterando, assim como o bebê todo enfaixado de outrora ficou para trás.

Estamos aprendendo todos em todos os tempos. O importante é que, independentemente da época, cada pai ou mãe se ouça antes de ouvir tantas tagarelices, tantas ideias com fundamentos ou não, e escolham o melhor que desejam trilhar para (e com) os seus filhos.

Eu, como avó do hoje e mãe do ontem, precisei reaprender e reaprendo todos os dias. Me colocar no meu lugar de avó foi como me preparei e me apropriei desse lugar. Seguir regras, sim, mas confesso que algumas vezes me questiono: será isso realmente o correto? E sabendo que me cabe só interrogar, não interfiro.

Hoje, além de colocar a mão nos olhos, me assusto em outros momentos. Vejo absurdos cometidos em todos os tempos. Isso que não enxergo muita coisa que, só um dia, quando a venda dos meus olhos for tirada, passarei a ver.

Assim, os cuidados não deixam de ser cuidados, somente se transformam. E, acima de tudo, amar muito aquele serzinho que, além de todas as mudanças, continua sendo o melhor que pode existir.

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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