Caxias do Sul 30/04/2024

O palco do Maracanã

Tanto os jogadores quanto as torcidas são responsáveis pelo espetáculo nos estádios
Produzido por José Clemente Pozenato, 23/11/2023 às 10:38:39
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”,
Foto: Marcos Fernando Kirst

O estádio do Maracanã, cujo nome oficial é Estádio Jornalista Mário Filho, tem sido apelidado, não apenas no Brasil, de palco do futebol, o que ele tem sido de fato.

Como em todo palco, as cenas montadas nele incluem todos os gêneros dramáticos, da tragédia à comédia. E como o palco é todo o estádio, e não apenas as quatro linhas do gramado, os atores não são somente os jogadores de futebol: também a plateia desempenha papéis bem variados durante os jogos.

Já no primeiro jogo oficial, no dia de sua inauguração, em 1950, houve uma cena triunfal seguida de uma cena funesta. A cena triunfal foi o gol do craque Didi, um carioca, que ficou marcado como o gol inaugural do estádio. Era um jogo entre a seleção carioca e a seleção paulista, quando Rio e São Paulo assumiam a hegemonia do futebol brasileiro. Tanto que não havia campeonato nacional. Havia era o Torneio Rio-São Paulo. Para desgosto dos donos do estádio, a seleção paulista venceu esse jogo de abertura por 3 x 1.

Mas essa foi uma tragédia pequena, comparada com a que viria logo depois, na decisão da Copa do Mundo de 1950, entre Brasil e Uruguai. Depois de festas e festas, o Brasil acabou perdendo o jogo, e a Copa. Os uruguaios apelidaram essa vitória heroica com o nome de Maracanazo, que depois foi incorporado ao dialeto carioca como maracanaço, para designar as cenas mais espantosas nele realizadas.

A sucessão de triunfos e fracassos prosseguiu ao longo das décadas. Momentos gloriosos foram encenados por Pelé. O primeiro foi quando ele estreou na seleção brasileira aos 16 anos, marcando um gol. O segundo foi quando marcou aquele gol que foi chamado de “gol de placa”, de tão brilhante. O terceiro foi o dia em que Pelé marcou seu milésimo gol, que também teve um sabor amargo para os cariocas: quem levou o gol foi o time do Vasco, num jogo válido pelo Torneio Rio-São Paulo.

Pessoalmente, tive a oportunidade de ver dentro do Maracanã um lance histórico, no final dos anos sessenta. Não foi um lance trágico nem dramático, mas cômico. Por sinal, um lance que nunca foi realçado pela mídia.

Foi também num jogo do Torneio Rio-São Paulo, entre o Santos e um time carioca. Na metade do segundo tempo a partida seguia empatada. De repente, a bola sobrou na frente de Pelé, na entrada da área adversária. Ele olhou para a goleira e armou o chute. Por incrível que possa parecer, ele errou a bola, dando um “chute no ar”, como se diz na gíria futebolística. O estádio inteiro caiu na gargalhada. Ainda lembro esse momento. Fiquei surpreso por não ter havido vaia, como é comum nesses lances. Acho que foi uma espécie de demonstração cordial, para aquele que já era chamado rei do futebol.

Outro momento marcante na minha memória foi a conquista da Copa do Brasil pelo Juventude, em 1.999, diante do Botafogo carioca. O Juventude precisava apenas de um empate, já que havia vencido o primeiro jogo no Alfredo Jaconi. Pois bem, ele resistiu aos ataques maciços do time carioca até o último minuto, e sagrou-se Campeão do Brasil. Dizem os que estavam presentes nessa epopeia que foi a segunda vez em que o Maracanã silenciou, depois da derrota para o Uruguai em 1950. Foi outro maracanaço...

Já as cenas do último final da semana, envolvendo o jogo entre Brasil e Argentina, pelas eliminatórias da Copa do Mundo de 2026, foram de uma teatralidade do mais baixo nível. Foi de fato uma “noite de terror”, como a batizou a mídia. Uma noite que não condiz com a história do Maracanã, e que mostra como mudou o comportamento dos atores das arquibancadas, num maracanaço bem sórdido.

Mas, como dizia Camões num de seus sonetos:

Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança,

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades.

Que ao menos não seja mudança para pior, o que parece estar acontecendo até no futebol dentro de campo...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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