Caxias do Sul 03/05/2024

O Galleria

Reminiscências de um bar que reunia os arremedos locais de punks e metaleiros
Produzido por Paulo Damin, 19/06/2022 às 09:35:31
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Em 2000, em Caxias, meus amigos se dividiam entre arremedos de punks e arremedos de metaleiros, perfeitamente indiscerníveis dos punks e metaleiros de verdade. E todo fim de semana eles se expunham no Galleria.

Ninguém se perguntava por que o local se chamava Galleria Estação Cultural. Galleria com dois éles, ainda por cima. Parece que a ideia era que fosse um centro de cultura mesmo. Mas a gente ia lá porque era barato, tocava rock e tinha seres humanos.

Era mais do que um bar com música ao vivo. Metade da gurizada nem entrava; ficava na rua mesmo, tocando algum violão sem a quarta corda, bebendo e analisando os carrões e curvas que chegavam e saíam do Cassino Royale, ali do ladinho.

Em noites de punk, para entrar no Galleria, os metaleiros amarravam o cabelo. Em noites de metal, os punks tomavam banho. Havia uma espécie de aliança tática: todos os roqueiros contra os pagodeiros, que eram os funkeiros da época. A tensão entre punks e metaleiros se manifestava diplomaticamente sempre que algum punk vestia uma camiseta branca para ver um show de metal e sempre que algum metaleiro se posicionava num canto para torcer o nariz a cada semicolcheia torta das bandas punks.

Para quem queria ser punk, o Galleria representava um CBGB da Colônia. Para quem queria ser metaleiro, o Galleria era uma espécie de estágio antes de ir fazer turnê na Finlândia. O tempo em que o bar durou, de dezembro de 1999 até dezembro de 2006, foi o auge do rock em Caxias. A piazada via alguém tocar e saía catando os amigos para formar uma banda também.

O Galleria ficava numa casa antiga perto da Estação Férrea. A última vez que passei lá na frente, flanando a pé pela memória, vi que o prédio continuava firme, embora o ocre tosco dos anos 2000 tivesse virado um azul tip-top. Continuava sendo um espaço de cultura, mas, da calçada – consciente da minha própria idade – apenas fiz um brinde discreto ao meu velho bar.

A gente percebe que está ficando velho quando sente convicção na própria nostalgia. E cada um tem a sua. Daqui a uns anos, vai ter gente com saudade das belas noites de sexta-feira em que passaram sozinhos em casa vendo uma live na internet.

Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.

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