Caxias do Sul 07/05/2024

Nova York, novo epicentro mundial de Covid-19

Naquele momento, eu procurava formas de me proteger de algo desconhecido
Produzido por Felipe Atti dos Santos, 01/04/2020 às 08:22:27
Foto: ARQUIVO PESSOAL

No dia 29 de janeiro de 2020 o surto do novo coronavírus na China já era pauta diária nos noticiários mundo afora. Eu, nos EUA, perguntava através do WhatsApp para meu colega de empresa, engenheiro em Taiwan, o mesmo tipo de pergunta que fazem a partir do Brasil para mim hoje: “Como estão as coisas aí?”

Ao que ele respondia que as aulas de seus filhos haviam sido suspensas e o governo havia decretado que empresas não abrissem suas portas. Naquele momento eu não imaginava que, ao ter estado na Suécia com meu colega engenheiro chinês duas semanas antes, ele, sem saber, poderia ter levado o vírus consigo para a Europa e eu ter sido contaminado e trazido para os EUA.

Como ainda não tive febre, posso afirmar que tudo correu bem. Naquela ocasião, eu não imaginava que passaríamos pela mesma situação em outros lugares do mundo e que, portanto, eu estava, da mesma forma que meu amigo James de Porto Alegre se refere ao falar comigo, fazendo perguntas e recebendo respostas “do futuro”, que todos queremos que não aconteça no Brasil da forma que está se vendo na Itália ou em Nova York no momento presente.

O 15 de fevereiro de 2020 foi um sábado, dia em que saí de Connecticut em direção ao Aeroporto JFK, em Nova York. Além do voo que peguei para Guarulhos, o Terminal 4 tem voos diretos e diários para Guangzhou, Milão, Roma, Seul, Tel-Aviv, Londres, Belgrado, Amsterdam, Frankfurt, Bruxelas e Dublin, entre outros mais tantos destinos internacionais e domésticos.

Era apenas uma questão de tempo até que se confirmasse o primeiro caso de Covid-19 em Nova York. Ainda não havia clareza sobre como proceder em relação a outras pessoas em ambientes de aglomeração, os tais 6 pés (2 metros) de afastamento mínimo, o que aliás é impraticável dentro de um avião.

Prevendo que o ponto de maior exposição seria o terminal de passageiros, muito mais do que o interior de um avião destinado a Guarulhos, eu levei na mochila uma máscara do tipo N95, que eu pretendia colocar no rosto assim que saísse do carro no Aeroporto JFK. Apesar de ter visto outras pessoas usando máscaras no aeroporto, mais comumente entre asiáticos (a propósito, mesmo quando não há notícia de surto ou pandemia são eles os primeiros a serem vistos com máscaras em locais de aglomeração, provavelmente seja o legado do aprendizado com a crise de SARS-CoV de 2003), não quis parecer exagerado ou provocar pânico e esperei até escutar espirros na fila do check-in, quando então finalmente coloquei minha máscara no rosto.

Naquele momento, eu procurava formas de me proteger de algo desconhecido e, se tivesse a consciência que temos hoje a respeito da importância da restrição do contato social, eu não teria me hospedado no apartamento de meus pais em Caxias do Sul durante o final de semana em que se iniciava o Carnaval.

Como ainda não havia número relevante de casos de Covid-19 entre brasileiros, foi desconsiderada a possibilidade do cancelamento das festividades de Carnaval, portanto, fazendo vistas grossas para o fato de que o Carnaval do Rio de Janeiro e Bahia são atrações turísticas internacionais e que o cancelamento das festividades poderia diminuir o fluxo de turistas, em particular da Itália, e também, ao diminuir as oportunidades de aglomeração, diminuiria o contágio de brasileros a partir de pessoas infectadas no exterior.

No dia de meu voo de volta a Nova York, 26 de fevereiro, já se percebiam alguns funcionários do Aeroporto de Guarulhos vestindo máscaras, aparentemente de forma voluntária, visto que as máscaras eram de diferentes tipos e modelos. Portanto, sim, já havia no Brasil a preocupação, pelo menos entre os trabalhadores que diariamente lidam com passageiros internacionais.

Ao desembarcar do voo de volta me vi, de máscara N95, no momento de maior exposição até agora: controle de passaporte, pegar a mala na esteira de bagagem e passar pela alfândega em meio a pessoas chegando da Itália e China. Passados outros 14 dias desde então e sem nada de febre, posso novamente afirmar que deu tudo certo até agora.

A Itália já perdeu a primeira posição em número de casos e hoje os passageiros aéreos que partem daqui de Nova York são motivo de preocupação, ao menos dentro dos EUA, e são a explicação para o aumento de casos na Flórida: as pessoas ainda não compreenderam a importância de fazer o auto-confinamento de 14 dias após terem passado por (ou saído de) áreas que sejam focos de contágio.

Além de mais casos confirmados de Covid-19, agora já se tem mais dados e previsões. Já sabemos que, aqui nesta região, passaremos todo o mês de abril com as mesmas restrições. E a previsão é de que o pico do número de casos novos aconteça na segunda quinzena do mesmo mês.

Revela-se uma nova face da relevância do confinamento. Ele é fundamental não somente para pessoas que fazem parte do grupo de risco, mas imprescindível para quem esteve em áreas de risco que aguarde por duas semanas antes de sair de casa, a fim de ter certeza que esteja saudável antes de expor demais pessoas a uma possível contaminação E é este segundo grupo o novo foco dos esforços de conscientização.

As Forças Armadas dos EUA estão instalando equipamentos e milhares de leitos hospitalares na TriState Area (Nova York, New Jersey e Connecticut) estão sendo entregues em poucos dias, enquanto comemora-se o fato de que um paciente nos EUA que necessite de ventilador fica conectado ao aparelho em média apenas 13 dias, metade do verificado entre pacientes na China. A recuperação mais rápida torna menor o número de ventiladores e leitos necessários para se lidar com o pico de internações, o que nos dá a esperança de que talvez não haja paciente sem leito.

Enquanto isso, na Índia, revela-se um lamentável, mas não imprevisível, lado obscuro da tomada de decisão de fechar fábricas: surge nas ruas uma multidão de peregrinos que se alimentavam e moravam no emprego e que, na falta de transporte público para voltarem às suas cidades de origem, aglomeram-se nas estradas, migrantes a pé, sem ter o que comer.

Felipe Atti dos Santos é natural de Caxias do Sul, engenheiro mecânico formado na UCS. Reside na Região Metropolitana de Nova York desde Maio de 2019, onde trabalha como engenheiro de aplicação na filial americana da empresa KraftPowercon.

e-mail: phelps_bassmann@icloud.com