Caxias do Sul 04/05/2024

Migrações internas

Movimento marcou a história das colônias italianas no início do século XX
Produzido por José Clemente Pozenato, 19/10/2023 às 14:27:33
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Em meu romance O Quatrilho, coloquei, como nó dramático para os dois jovens casais da trama narrativa, a necessidade de procurarem novas terras, ou de encontrarem outro ramo de atividade que não a de agricultores.

Não foi uma situação inventada: no início do século XX, com o aumento de habitantes do meio rural, consequência das famílias com dezena ou mais de filhos, as migrações internas marcaram a história das colônias italianas. Municípios vizinhos criaram programas para atrair as famílias desses migrantes, e proprietários de latifúndios também aproveitaram a ocasião para bons negócios.

Em suas memórias, meu pai registrou a experiência de sair de Nova Vicenza, hoje Farroupilha, onde nasceu, para as colônias de “serra abaixo”, em Conceição do Arroio, hoje a região do município de Osório. O pai dele, meu avô, ficara sem terras para trabalhar, e tropeava açúcar mascavo, rapadura e banana para um armazém, produtos que ele buscava na Barra do Ouro, perto de Osório, onde um cunhado dele residia. Casado, com os primeiros filhos chegando, decidiu que iria também buscar terras por aqueles lados.

O primeiro trecho da viagem com a família foi de trem, entre Nova Vicenza e Caxias, num vagão de segunda classe. A seguir vieram outras peripécias, assim descritas por meu pai, que tinha apenas quatro anos na ocasião dos fatos:

Daqui por diante, conforme contava minha mãe, a viagem foi longa e penosa (uns cinco ou seis dias de viagem), andando um pouco a pé outro pouco a cavalo, dormindo ao relento ou em barracas, conforme o tempo...

Para o transporte tínhamos só dois animais. Um, para o transporte da mudança, toda dentro de duas caixas de tábua e o outro para a cavalgadura de toda a família...

Atravessando densas matas, subindo e descendo encostas, atravessando campos, contornando coxilhas e descendo serra, desembocamos finalmente na então famosa “Barra do Ouro” (que de ouro nada tinha), onde ficamos descansando uns quinze dias na casa do meu tio Pedro Debastiani, irmão de minha mãe.

A Barra do Ouro era um pequeno burgo com meia dúzia de casas cercadas por altos morros.

Refeitos dessa longa e exaustiva caminhada, retomamos a viagem, porém agora confortavelmente instalados numa carretinha a tração animal, puxada por duas gordas e anafadas mulas.

Ao cabo de umas oito horas de viagem de carreta, chegamos finalmente ao nosso destino, um lugar chamado “Mundo Novo”.

Ali chegados, nos instalamos provisoriamente num galpão, gentilmente cedido pelo seu Gervásio e aí ficamos instalados até construirmos a nossa própria casa, que seria num descampado que havia à beira da estrada que atravessava a frente da nossa colônia, comprada por intermédio do meu tio, lá da Barra do Ouro, e que custara, $500.000 réis (mais ou menos).

Construímos uma casinha tosca, de quatro compartimentos, de chão batido, paredes de talas de palmeira pregadas em forma de grade e rebocadas de barro amassado com os pés.

De lá, meu pai migrou para Santa Teresa, em São Francisco de Paula, e o restante da família seguiu para o norte do estado, em Lagoa Vermelha, e outra parte para Santa Catarina e Paraná. As migrações internas se multiplicavam, enfraquecendo com isso os laços de família, mas abrindo novas oportunidades...

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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