Caxias do Sul 18/05/2024

Italianos no Espírito Santo

Estado capixaba recebeu levas de imigrantes italianos de forma semelhante ao Rio Grande do Sul
Produzido por José Clemente Pozenato, 25/08/2022 às 08:28:37
Foto: Marcos Fernando Kirst

Em sua obra magistral, O Ocaso da Colombina – A Breve e Poética Vida de Vivita Cartier, Marcos Fernando Kirst conta que o pai de Vivita, Paulo de Campos Cartier, não presenciou o nascimento da filha, em abril de 1893, porque estava no Espírito Santo. Com que objetivo?

É que o Espírito Santo recebeu uma grande imigração italiana (dados apontam um número de 35.000 imigrantes), nos mesmos anos em que ocorreu a da Serra Gaúcha. Mas lá ocorreu um problema que não houve aqui: a falta de agrimensores competentes para fazer a demarcação das colônias. Por esse motivo, Paulo de Campos Cartier, agrimensor vinculado à Delegacia de Terras do Rio Grande do Sul, foi convocado pelas autoridades federais para resolver o problema.

A colonização do estado capixaba, no tempo do Império, foi em tudo semelhante à colonização do Rio Grande do Sul. Começou com a imigração alemã, que foi tema de Canaã, o primeiro romance brasileiro com imigrantes como personagens, escrito por Graça Aranha e publicado em 1902. Logo a seguir aconteceu a chegada dos italianos e poloneses.

A procedência dos imigrantes italianos do Espírito Santo também foi semelhante à nossa: sua quase totalidade vinha do Vêneto, da Lombardia e do Tirol. E lá também criaram raízes as mesmas tradições, entre elas o Talian como língua e a culinária. Até hoje é feita uma Festa da Polenta no município de Venda Nova do Imigrante, de forte tradição vêneta.

Por ocasião da indicação do filme O Quatrilho ao Oscar, fui convidado para um evento sobre a cultura da imigração italiana na Universidade Federal do Espírito Santo. Há nela um núcleo de pesquisa sobre esse tema, atuante até hoje, incluindo estudos sobre o fenômeno do Talian.

Tive então oportunidade de visitar a cidade de Santa Teresa, uma cidade muito parecida com a de Antônio Prado, inclusive no tamanho. Uma associação local, voltada para a preservação da cultura da imigração italiana, ofereceu um jantar a que compareci. Começou com uma sopa de canéderli, típica dos tiroleses, seguida de codeghin e de galinha ao molho com polenta.

Conversando, perguntei se lá praticavam o jogo do quatrilho, e um deles me respondeu:

- Aqui a maioria é tirolesa. A gente aqui joga o cinquilho.

- E como é esse jogo? – quis eu saber.

- Tem cinco jogadores, mas um sempre fica de fora, aquele que faz menos pontos. Aí, na outra mão de cartas, jogam os outros quatro, como no quatrilho!

Outra situação memorável aconteceu quando uma senhora, já no final do jantar, falou:

- Posso lhe dizer uma coisa? Tem uma cena no filme do Quatrilho de que eu não gostei.

- Qual cena? Pode me dizer...

- Aquela em que o Gardone bota fogo na cômoda e a Pierina fica só olhando. Se fosse eu a Pierina, ia remexer a cinza para ver se não aproveitava alguma dobradiça, algum puxador de gaveta.

A risada foi geral. E eu comentei:

- É. A senhora é mais Pierina do que a Pierina!

No meu modo de ver, deveriam ser mais estreitados os laços entre a Serra Gaúcha e a região de imigração italiana do Espírito Santo. São duas culturas irmãs.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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