Caxias do Sul 25/04/2024

Inventário do TALIAN: um pouco de história

Um breve resumo dos esforços empreendidos no resgate da língua criada nas regiões de imigração italiana no Brasil
Produzido por José Clemente Pozenato, 06/05/2021 às 08:26:13
Foto: Marcos Fernando Kirst

O interesse pelo resgate do Talian, a língua comum criada nas regiões de imigração italiana, foi reativado por ocasião da celebração do centenário da imigração, ocorrido em 1975. A Universidade de Caxias do Sul criou um instituto de pesquisas, com a parceria da Universidade de Veneza. E um dos temas desenvolvidos foi o estudo dos dialetos italianos de toda a região e da língua comum deles resultante.

Essa língua foi chamada de “Dialeto Vêneto Sul-rio-grandense”, no Dicionário de Alberto Vitor Stawinski, que teve uma edição preliminar em 1976, e uma nova edição, acrescida de “breves noções gramaticais”, em 1987.

No livro Dialetos Italianos, de Vitalina Frosi e Ciro Mioranza, resultado de pesquisa de março de 1973 a julho de 1979, os autores apontam as características dos diversos dialetos italianos trazidos para a região do Nordeste do Rio Grande do Sul. Para a língua comum, resultado do entrecruzamento dos dialetos e da incorporação de elementos do português, Frosi e Mioranza usaram o termo técnico da dialetologia: koiné, palavra grega que significa língua comum a diversos lugares.

Nesse período de celebração do centenário, surgiram também diversas entidades voltadas para o resgate e a preservação das tradições dos imigrantes, em vários pontos do estado. Uma delas foi a FIBRA-RS, Federação das Associações Ítalo-Brasileiras do Rio Grande do Sul, fundada em 16/12/1995 em Serafina Corrêa. É dentro desse ambiente que a designação Talian, para a língua gerada nas regiões de imigração italiana, aos poucos toma corpo e se consolida.

Em 2000 foi promulgado pelo Governo Federal o Decreto nº 3.551, que criava o Registro dos Bens Culturais de Natureza Imaterial e o Programa Nacional da Cultura Imaterial, inspirado nas recomendações da Unesco, feitas alguns anos antes.

A FIBRA-RS aproveitou a oportunidade e encaminhou ao IPHAN - Instituto da Patrimônio Histórico e Artístico nacional -, o pedido de registro da língua Talian.

Como o patrimônio imaterial linguístico não estava incluído no Decreto, foi realizado um seminário em março de 2006, em Brasília, sob a coordenação da Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos deputados, para discutir a questão. No final do Seminário, foi criado o Grupo de Trabalho da Diversidade Linguística do Brasil (GTDL).

No ano seguinte, o GTDL lançou o programa de Inventário Nacional da Diversidade Linguística, incluídas aí as línguas indígenas, as línguas de imigração, as línguas de sinais e as variantes da língua portuguesa no Brasil. O GTBL lançou também um roteiro para realização do inventário, como mecanismo de reconhecimento patrimonial, para constar no Livro de Registro de Línguas do IPHAN.

Depois de diversas tratativas, com reunião em Brasília em 6 e 7 de maio de 2009, para a qual fui convidado, o Talian foi escolhido para ser o projeto piloto de inventário de línguas alóctones, ou seja, línguas provenientes de imigração.

Convite oficial para o evento do IPHAN em 2009

Em abril de 2010, foi concluído esse Inventário do Talian, com recursos destinados pelo IPHAN. Ele foi coordenado pela UCS, tendo a parceria do Instituto Vêneto, de Caxias do Sul, junto com a FIBRA-RS.

No relatório final, produzido pela equipe interdisciplinar que realizou o inventário nos três estados do Sul, e com base em 1.100 questionários respondidos, constam informações como estas:

- em que estados e municípios do Brasil se localizam falantes do Talian;

- como está o processo de preservação, difusão e promoção da língua;

- com que suportes conta o Talian, seja de instituições públicas ou da sociedade organizada;

- o que existe na literatura de publicações na língua;

- teses, dissertações e outros estudos sobre a língua;

- acervos e depositários do Talian;

- levantamento de palavras representativas do Talian que permanecem na memória coletiva.

Uma importante fonte para a realização desse Inventário foram os programas de rádio transmitidos em Talian. Radialistas filiados à Associação dos Difusores do Talian – ASSODITA – que na época englobava mais de duzentos comunicadores do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul, foram fundamentais, tanto para a realização do Inventário quanto para reforçar o pedido de registro pelo IPHAN. Foram localizados programas em Talian também nos estados do Espírito Santo, da Bahia e de Tocantins. Efeito das migrações internas acontecidas a partir dos anos 70 do século passado.

Depois de muito empenho e de uma longa espera, finalmente foi aprovado o registro, quase quatro anos depois, em novembro de 2014, com festas pelo Brasil inteiro e também na Itália.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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