Caxias do Sul 18/05/2024

Fantasia de culpa

É preciso saber lidar com fatos que mostram que você está preso em algum lugar do passado
Produzido por Neusa Picolli Fante, 13/09/2023 às 08:25:21
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica
Foto: Morgane Coloda

O que são fantasias de culpa?

Para começar, vamos falar de culpa real. Aquela que eu falo ou faço algo pra prejudicar alguém. Algo que sei, que tenho consciência e que foi proposital. Algo que, talvez, eu não deseje enxergar e nem admita num primeiro momento.

Já, a fantasia de culpa não é real, mas faz ficar no mesmo lugar, remoendo histórias que não foram digeridas, que necessitam ser mais uma vez olhadas. Fatos que vêm pra serem revistos e que mostram que você está preso em algum lugar do passado, ou em algum sentimento seu.

Fantasia de culpa é o desejo de mudar algo que não provoquei, algo que não desejei que acontecesse. Mas que puxo pra perto de mim (a culpa) e fico amarrado nela até compreendê-la e conseguir soltá-la.

Quando você diz que é culpada, você continua no controle da situação, pode manter a ilusão que consegue alterar o destino e mantê-la sob seus cuidados para poder mudar a história do que aconteceu e com a qual não concorda.

E aí, de repente, você pode ouvir outras culpas, que estão escondidas e ligadas a essa. Por exemplo: vem a culpa por sorrir, por ser feliz, por seguir adiante, entre muitas outras. E assim, nesse descontentamento e, quem sabe, com raiva, volta ao que era, ao que um dia foi, a fim de se olhar novamente e conseguir se enxergar diferente.

Será que o “eu deveria ter feito mais” fica como pano de fundo da culpa? Sabemos que o desejo de ser reconhecido como alguém que salva, alguém que faz, está presente em você. Nesse pensamento, você assume algo que não lhe pertence. Nessa atrapalhação, você se esconde dentro da própria culpa. E, se olhar direito, ela pode nem ser sua.

Perdoar-se é uma maneira de dissipar as fantasias de culpa presentes, e o não auto-perdão é uma maneira de continuar preso a ela continuamente.

Via compreensão se dissipa muitos mal-entendidos internalizados, mas, pra isso, necessito desejar ampliar meu olhar.

Essas lacunas de nome culpa aparecem do nada, entretanto, com um peso interno arrebatador.

O que alivia a consciência e promove entendimento é saber que você fez o melhor que podia, o melhor que sabia e fez sem a compreensão de que as coisas ficariam dessa maneira e, embora sem intenção, aconteceu o que você não desejava.

Por isso, mesmo que o outro não tenha esse entendimento e continue a culpabilizá-lo, você precisa construí-lo dentro de si.

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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