Caxias do Sul 18/05/2024

E um próximo ano novo

Traumas natalinos de infância afloram com a chegada das datas de final de ano, mas...
Produzido por Paulo Damin, 24/12/2022 às 09:09:54
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Ah, as frases de fim de ano. Como é fácil dizê-las, como é bom perdoar quem as diz. É a magia do Natal: todo clichê será permitido e todo humor será sentido como ácido.

Evite ironia ao deparar com luzinhas, sobremesas, ações de caridade e famílias felizes.

Juliana tem um trauma de infância: por fazer aniversário no dia 28 de dezembro, ganhava apenas um presente. Cecília também tem um trauma: nunca ganhou presente além das balinhas que os papais noéis voluntários levavam a seu bairro, caso não chovesse e a rua estivesse transitável.

Desde o início de dezembro, elas estão elaborando estratégias para não ter de passar o Natal com seus entes queridos. Estratégia 1: dizer para a família de Juliana que vão visitar a família de Cecília e, ao mesmo tempo, dizer para a família de Cecília que vão visitar a família de Juliana. Estratégia 2: dizer que estão com alguma doença respiratória altamente contagiosa. Estratégia 3: contratar Roger para sequestrá-las.

Para aliviar a tensão que só cresce conforme a data fatídica se aproxima, Juliana e Cecília ficam ouvindo o disco natalino de Ella Fitzgerald. E dançam tomando a cidra que Roger lhes deu.

Roger tem um trauma de infância: em sua casa, fazia-se jejum da meia-noite do dia 23 até a meia-noite de 24 de dezembro, quando a lentilha era servida. Com pata de porco boiando no caldo.

Suas amigas não o convencem a sequestrá-las. Mas ele faz uma contraproposta: apresentarem-se os três na casa de Juliana, dizendo que agora estão num relacionamento triplo.

É a magia do Natal: volta-se à infância: às birras.

Juliana, Cecília e Roger, ao fim da cidra e do disco de Ella Fitzgerald, olham-se da forma mais adulta que conseguem: aquele olhar de quem não pode mais escapar.

Cecília ainda tenta torcer a garrafa de cidra para se certificar de que não há mesmo uma última gota de cristal. Então se abraçam e se beijam, com um panetone entalado nas gargantas. Tossem fundo e se despedem com o que lhes resta de humor:

– Feliz Natal e um próximo ano novo.

– Igualmente pra ti e toda a tua família.

– Amém.

– Amemos.

Paulo Damin é escritor e tradutor em Caxias do Sul.

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