Caxias do Sul 03/05/2024

Demônios do Natal

Nesta época do ano, além dos sinos, bate também o medo do Krampus...
Produzido por Paulo Damin, 24/12/2023 às 09:14:29
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Tem a família, aquele tio que já confirmou presença na inescapável janta do dia 24. Tem a inescapável janta do dia 24, em que vão te perguntar de novo se tu realmente não come nem peixe, nem presunto. Tem o amigo secreto em que tu pegou o colega traíra. Tem o amigo exibido que trocou de carro, enquanto o painel do teu corsa pisca que nem pinheirinho de natal. Tem os vizinhos que vão ficar ouvindo funk. Tem os vizinhos que vão ficar ouvindo sertanejo. Tem os vizinhos que vão ficar ouvindo funknejo. Tem cada um querendo terminar o ano antes que o outro, um engarrafamento de expectativa, a grande fila da felicidade com desconto.

O natal é cheio de demônios (tem também o cronista rabugento, cuja crônica natalina está pronta desde junho, que é pra pegar bem o espírito invernoso no texto).

Mas vamos falar de um demônio bem específico: o Krampus.

É um ser mitológico que vive no nordeste da Itália, na Eslovênia, na Croácia, na Áustria. Demônio plurilíngue, mas parece que a palavra vem do bávaro e quer dizer “podre, morto”. Meio homem, meio cabra, peludo, dentuço e cornudo. Aparece no Natal pra atormentar as crianças que não se comportam. Chega chicoteando, arrastando correntes e sinetas tétricas, mandando a gurizada largar o bico e parar de molhar a cama. Um demônio pedagógico. Dos antigos.

Os Krampus surgiram numa época de muita miséria, quando moradores de um vilarejo (travestidos com peles e cabeças de animais) resolveram atacar um povoado vizinho para roubar mantimentos.

Depois do saqueio, um dos mascarados não conseguiu mais tirar a fantasia: tinha virado um demônio de verdade. Ficava cantando na rua de madrugada, entrava em casa sem lavar os cascos, cuspia fora da escarradeira, o rabo caindo o tempo todo no prato de sopa dos irmãos mais novos. Aí veio o bispo Nicolau e exorcizou o pentelho. Como prêmio, Nicolau virou o santo padroeiro dos comerciantes, o que inspirou o Papai Noel.

Em dezembro, há cortejos teatrais em diversos povoados alpinos. Desfilam Krampus pelas ruas, um mais feio que o outro, berrando e batendo nas pessoas. E fedem. Olhos azuis que nem teu tio aquele.

Imagina as mamães trentinas tendo de explicar que não apenas o Papai Noel não existe, mas também o Krampus é uma ficção. Sendo que, pra muita gente, os demônios são bem mais reais: te acompanham pelo resto da vida (e além), enquanto o Papai Noel…

Aliás, o próprio Papai Noel pode ser um demônio. Já ouviu falar em paternatalofobia?

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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