Caxias do Sul 03/05/2024

Definição de nostalgia

Sentimento que pauta momentos da vida é esmiuçado pelo cronista saudoso
Produzido por Paulo Damin, 23/01/2024 às 09:45:02
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Nostalgia é redundância, dá e passa, que nem as coisas pelas quais a gente sente nostalgia: coisas que um dia nos deram algo e que passaram. Adeus.

Nostalgia é adeus. Saudade é tchau. Saudade é quando a coisa ainda tem chance de voltar a acontecer. Saudade de um amigo, por exemplo, mas nostalgia da vovó.

Ou dos anos 1970, na Itália. Casacos, cabelos, botinas e barbas marrons. Cafezinho na pracinha da cidadezinha. Ser ou não ser estudante em universidade ocupada. Apaixonar-se no meio de uma crise de dinheiro, morando de favor na casa dos pais, por uma mulher divorciada, com filho adolescente. Andar agarrado ao sorriso apressado de quem sabe criar bons problemas: a especialidade italiana de manter sempre alimentada a angústia, só pra ter o que discutir a qualquer hora, com qualquer um, em qualquer lugar comum. E terminar o filme caminhando abraçado meio bêbado com os amigos pelas ruelas de Roma.

E passa uma vespa.

É um filme russo, a nostalgia. Do Tarkovski, mas com roteiro italiano, do Tonino Guerra. E trilha sonora do Francesco de Gregori, Rimmel:

“E algo permanece entre as páginas claras, entre as páginas escuras. Um futuro que invade: se eu fosse mais jovem, eu o destruiria com a fantasia, eu o despedaçaria com a fantasia.”

A nostalgia é uma definição. Quando é ela que nos invade, acabou a juventude e já não basta a fantasia para destroçar o futuro: é preciso algo mais sólido, seco, esfarelento como um tijolo romano.

Um livro, por exemplo. De sebo, desses em que o personagem morre de tuberculose. O autor já morreu, a editora já morreu, até a tuberculose já morreu, mas a obra continua pesando no peito de quem leu.

A literatura: pura nostalgia.

Uma recaída. Achar que o passado tem vida própria. Que o Francesco de Gregori vai estar tocando em 1975 numa praça diante da universidade ocupada, quando tu chegar em Roma, no século XXI. Mas não há mais casacos marrons, apenas jaquetas da Decathlon.

Nostalgia é um texto que já acabou mas não acabou; passou da hora de acabar e continuou: 2100 caracteres de características que, no fim, são infinitas: pra trás.

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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