Caxias do Sul 06/05/2024

Conversa de viajante temporal

Relato impressionante de um especialista em capturar fugitivos do tempo
Produzido por Paulo Damin, 16/08/2023 às 08:47:54
Paulo Damin é escritor, professor e tradutor
Foto: ARQUIVO PESSOAL

Aí o patrão queria que eu fosse pro futuro. Digo nah, eu não. Fazer o que no futuro? Levar multa por atravessar a rua fora do tubo de segurança? Levar fora de androide com pele de látex? Eu gosto é de correr perigo, meu amigo. Gosto de suor, de cheiro de sol em mulher que pinta as unhas. Quero é complexidade na contradição, que nem diz o Ataulfo Alves, naquele samba de 1944 que, adivinha!, eu ajudei a compor.

Digo pro patrão: eu só vou se for pro passado. Século XX, essas coisas. Meter distorção onde é viola, dirigir carro a combustão, ver gol de mão em Copa do Mundo e aprender charrua com falante nativo.

Tá precisando do quê? Sou especialista em catar fugitivo temporal. Corrupto foragido em praias pré-colombianas? Pego. Marido abandonando lar pra ir seduzir namorada de adolescência? Trago em até dois dias. Turista no mesozóico caçando dinossauro? Trago vivo ou morto, como quiser vossa senhoria.

Só não me mande pro futuro comer pasta de dente e respirar oxigênio em drágeas assépticas.

Falei pro patrão: dá uma olhada no meu currículo. Quem evitou que a Lei da Casa Marrom fosse decretada em 1937? Nunca ouviu falar? Me agradeça. A lei tinha sido inventada por um viajante amargo, fugitivo de 2023, que se instalou secretamente no governo da época. Levei ele de volta pro tempo dele, dentro dum balde de tinta. Parece que virou filósofo digital, não sei, não me interessa o futuro. Mas, não fosse por este que vos fala, não teríamos a riqueza colorida que se vê nos bairros do século XX, cada morador pintando a casa como quer e pode: de amarelo, de roxo, de rosa – de marrom, inclusive, mas pelo menos não é obrigatório.

Ou então pega o caso de 1821. A missão era catar um fugitivo que foi agente temporal e se engraçou com uma ilha deserta. Cheguei lá tava o loco derrubando uma guabirobeira, com uma motosserra a laser. Digo acabou a palhaçada, deixa a árvore aí que ainda faltam duzentos anos pra ela ser extinta. E o cara: uma só não faz diferença. Que é assim: o sujeito nem percebe que tá virando o primeiro desmatador da floresta. Se o senhor pode hoje comer guabiroba no verão – de nada, de nada, eu só tava cumprindo meu dever.

Opa, mais um vinhozinho? Óbvio. Tá vendo por que eu prefiro o passado? Se eu te conto que, no futuro, as pessoas só tomam um troço chamado “energético” o senhor não me acredita…

Paulo Damin é escritor, professor e tradutor em Caxias do Sul.

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