Caxias do Sul 25/04/2024

Banho de mar em Torres

A receita marítima para curar reumatismo, obedecida pelo surpreendente Francisco Paglioli
Produzido por José Clemente Pozenato, 22/04/2022 às 08:05:03
Foto: Marcos Fernando Kirst

Prosseguindo na leitura do caderno de memória de Francisco Paglioli, deparamos com mais um episódio curioso.

Estava ele já morando em São Francisco de Paula, em Cima da Serra, e sofria de um reumatismo no braço direito, “a ponto de ter dificuldade de escrever: experimentei diversos remédios e pomadas, mas nada adiantou”.

Um dia chegou um seu compadre, um Serrano, e perguntou:

- Como vais de reumatismo?

- Sempre o mesmo, não há jeito de ficar bom.

- Deixa de remédios. Vai aos banhos de mar.

O compadre explicou então como ele devia tomar os banhos. Tinha de entrar no mar de manhã cedo, antes de o sol aparecer. Não devia ficar na água mais de dez minutos, e em seguida ir rápido para a cama e se cobrir bem para transpirar. Naquele dia, não podia mais tomar banho. Esse tratamento devia ser repetido diariamente, até não sentir mais o reumatismo.

Francisco Paglioli topou a sugestão. Morava com ele um estudante de música, que tinha a família perto de Torres, num lugar chamado Espigão. E resolveu levar o rapaz com ele, porque não conhecia a estrada para Torres: o traçado era um rascunho da atual rota do sol! Montaram a cavalo e foram. A jornada de um cavalo de montaria (sei disso porque também vivi essa experiência) é de no máximo oito léguas por dia, o que dá por volta de quarenta quilômetros.

Uma prova disso é que todos os povoados nos Campos de Cima da Serra ficam a vinte quilômetros um do outro: no primeiro se fazia uma parada para comer. No segundo, uma parada para dormir. No primeiro, havia no máximo um boteco. No segundo, pousada para o viajante e estrebaria para os cavalos. De São Chico a Torres devem os dois ter levado certamente três dias, ainda mais que a descida da serra não podia ser feita a trote, muito menos a galope...

Chegando a Torres, foram se hospedar num hotel, perto da igreja. Paglioli procurou um sapateiro, porque os sapatos que levara eram muito folgados. Por coincidência, o sapateiro de Torres também era músico e conhecia a fama de Paglioli como “mestre de música” em São Francisco de Paula. Não só isso: mostrou a Paglioli uma partitura da autoria deste, que ele havia ganho de um músico de Conceição do Arroio (hoje município de Osório). E os dois acabaram indo juntos cantar a missa no domingo, que era dia de festa.

Estava Paglioli almoçando no hotel, depois da missa, quando entrou um homem carregando um cesto cheio de garrafas de cerveja, entregou a ele, e disse:

- O festeiro manda esta cerveja a um cantor que cantou na missa!

Paglioli começou o tratamento do reumatismo na manhã seguinte, seguindo as instruções de seu compadre, com este desfecho:

Para chegar à praia, eu caminhava bem, pois era descida. Eu, que não conhecia o lugar, coloquei-me encostado a uma grande pedra, de modo que quando vinha a onda me banhava e depois ficava no enxuto, não havendo algum perigo de que a água me arrastasse

[...] Como tinha pressa, depois do banho, quando estava no hotel já estava todo suado. Metia-me na cama e lá ficava um bom pedaço de tempo.

Depois de dez a doze dias de perseverança no tratamento, fiquei curado.

Mais um relato com final feliz!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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