Caxias do Sul 12/05/2024

Andanças de Thales de Azevedo

Antropólogo baiano deixou rico legado de informações sobre o cotidiano das colônias serranas, em sua vasta obra
Produzido por José Clemente Pozenato, 23/03/2023 às 08:19:45
Foto: Marcos Fernando Kirst

Nos cadernos de pesquisa do antropólogo baiano Thales de Azevedo - que já apresentei AQUI – há o registro de vários lugares por ele visitados, não só nas cidades, mas também nas colônias da região de imigração italiana da Serra Gaúcha.

Uma dessas andanças, em fevereiro de 1955, foi em Conceição da Linha Feijó, que na época era chamada apenas de Conceição. Esse nome do lugar é explicado por Carlin Fabris em sua obra que é uma relíquia: Istoria de Conceição, escrita num caderno de 44 páginas.

Ela foi editada em 1977, pela EDUCS (Editora da Universidade de Caxias do Sul), como parte do livro La Mèrica, organizado por Luiz De Boni.

No Caderno 3 do antropólogo baiano constam as seguintes anotações de um olhar minucioso:

Conceição – Nas casas de colônia o soalho é encerado com cera de abelha dissolvida em querosene.

Com as tripas do porco, misturadas com soda, faz-se sabão.

As casas não têm instalações sanitárias, mas uma “patente” no exterior, às vezes bem longe. Também não têm banheiro; o banho, pouco frequente, toma-se no arroio, à beira de um tanque, ou, em casa, numa pequena bacia.

Três páginas adiante, ficou este relato, também cheio de minúcias:

"Os colonos, inclusive as moças, trabalham descalços ou de chinelos e tamancos. As moças sentam-se de lado, mais do que escanchadas, sobre selas masculinas. [...] Algumas vestem, debaixo do vestido, uma calça de homem (brim) e trazem na cabeça um chapéu de homem. Os homens, nos domingos, vestem roupa de cidade, todos com chapéu de feltro, raros com gravata. Essa é usada em solenidades. Vão à cidade, muitas vezes, sem paletós, com chinelos, sempre com chapéu.”

E ainda: Em Conceição, como em outros pontos da colônia, há um cruzeiro na frente da igreja com os dizeres: “Salva tua alma”.

Os motivos para Thales de Azevedo querer conhecer esse local têm ligação, é evidente, com a história, ligada à figura de Luiz Antônio Feijó Júnior, nome também de uma rua em Caxias do Sul. Na realidade, foi antes o nome da estrada que passava na divisa das terras de Feijó Júnior, que iam bem além de Conceição. Sua biografia ficou relatada por João Spadari Adami e por Mário Gardelin, os dois entrevistados por Thales de Azevedo.

Vai aqui um resumo, tipo verbete de enciclopédia.

Luiz Antônio Feijó Júnior era estancieiro da fazenda “Estaleiro”, no município de Triunfo. Solicitou ao Presidente da Província, João Sertório, três léguas quadradas perto do Campo dos Bugres. Depois comprou, em 1885, dois lotes no Travessão Santa Tereza. (Gardelin, 1992).

João Sertório era um velho amigo e ex-sócio comercial de Feijó Júnior em Pelotas. Pediu ao amigo Feijó para organizar uma expedição, em 1870, “e penetrasse até o Campo dos Bugres, explorasse inclusive seus arredores mais próximos, retirasse amostras de terra e fibras vegetais para serem enviadas aos laboratórios da Corte...” (Adami, 1964). Em troca desses serviços é que Feijó Júnior requereu as três léguas quadradas, recebendo então a incumbência de erguer um barracão e uma casa para a administração no Campo dos Bugres. A essa área ele deu o nome de “Colônia Sertorina”, em homenagem ao amigo presidente.

Em 1881, Feijó Júnior volta para a Colônia Caxias. Vê o crescimento da população, monta serraria, olaria, e começa a lotear e vender sua sesmaria. Calcula-se que vendeu uns 2.500 lotes coloniais entre Caxias e Forqueta. Paulo Rossato, que também deixou textos por escrito, comprou dele uma colônia, e o tratava como “Conde”. No romance A Cocanha, reconstituo esse episódio em nível ficcional

Eduardo de Azevedo e Souza Filho (de quem não descobri qual a relação com Feijó Júnior) vendia os lotes e fez um loteamento para uma vila, à qual deu o nome de Eduardina. Deu também o nome de Linha Feijó para a região que ainda tem esse nome. Eduardina, segundo Carlin Fabris, em Istoria de Conceição, mudou de nome para Conceição depois que a mulher de Eduardo deu uma imagem de Na. Sra. da Conceição para a igreja da vila.

Excelente história para um antropólogo!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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