Caxias do Sul 05/05/2024

O Tesouro de Thales de Azevedo

A importante colaboração do antropólogo baiano para a compreensão do processo migratório dos italianos no Brasil
Produzido por José Clemente Pozenato, 02/03/2023 às 09:36:41
Foto: Marcos Fernando Kirst

Faltando pouco mais de um ano para a celebração dos 150 anos da chegada dos primeiros imigrantes italianos na Serra Gaúcha, é inevitável que fatos, situações e figuras históricas comecem a emergir com toda sua força na memória.

A primeira figura que me veio à mente foi a do antropólogo baiano Thales de Azevedo (1904-1995), que manteve estreita relação com Caxias do Sul e região, criando laços pessoais, e não apenas profissionais, em muitos setores de atividade, em especial no econômico, no político e no intelectual.

Neste último, tornou-se notório ao se tornar vencedor do concurso promovido pelo Instituto Estadual do Livro do Rio Grande do Sul para a produção de obra histórica sobre o centenário da imigração italiana, ocorrido em 1975.

Sua obra premiada foi Italianos e Gaúchos – os anos pioneiros da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Ela tinha por base pesquisas feitas pelo autor em toda a região colonial italiana do Estado entre 1955 e 1973. Sobre ela, o pesquisador italiano Emilio Franzina, que também conheceu esta região de perto, deu o seguinte veredito, “Questo è senzaltro il miglior libro di parte brasiliana che tratti la storia della colonizzazione rio-grandense”.

Sua reaproximação com Caxias do Sul deu-se no território da UCS, atraído pelo Projeto ISBIEP: Instituto Superior Brasileiro-Italiano de Estudos e Pesquisas, criado em convênio com a Universidade de Pádua, também por ocasião do centenário da imigração. Desse Instituto nasceu o Projeto ECIRS (Elementos Culturais das Antigas Colônias Italianas do Nordeste do Rio Grande do Sul).

A dimensão antropológica dos estudos do ECIRS levou à criação de seu vínculo com a Associação Brasileira de Antropologia e, nela, com Thales de Azevedo, numa verdadeira “troca de figurinhas”, para usar uma expressão coloquial, própria do clima vivido entre nós.

A culminância dessa troca de experiências e observações aconteceu no dia em que Thales de Azevedo ofereceu ao ECIRS sua coleção de cadernos de pesquisa sobre os italianos em Caxias do Sul e região. São ao todo sete Cadernos, contendo o diário de campo de suas pesquisas, com mais três Anexos de anotações.

A primeira data do primeiro caderno é esta: “Caxias, 4 de janeiro de 1955”, com o seguinte registro:

“Saí de Porto Alegre, ônibus, às 13h40min; cheguei a Caxias às 17h30min, após parada no Morro Reuter. Procurei o Pe. Eugênio Giordani, que eu conhecera há anos; está em retiro até o fim do mês. Recebeu-me seu coadjutor, Pe. Baumgartner, a quem expus brevemente meu plano de pesquisa. Fiquei de voltar lá amanhã.”

Todo esse tesouro de Thales de Azevedo foi publicado pela EDUCS (Editora da Universidade de Caxias do Sul), com apoio da Associação Brasileira de Antropologia, no ano de 1994. Meu exemplar traz este autógrafo do autor baiano: “Ao caro Pozenato, cordial e afetuosamente, Thales. Rio, 28/3/94”.

Lembro-me de uma conversa em que ele me disse: “Em Caxias os italianos gostam de se mostrar. Na Bahia preferem se esconder. Vê a cantora Daniela Mercury, por exemplo. O sobrenome dela é Mercuri, o mesmo da mãe dela, uma italiana...”.

Nada como a Antropologia para ensinar a lidar com as identidades e as diferenças, criando bases sólidas para a convivência cultural.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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