Caxias do Sul 04/07/2025

A onda dos bebês reborn

Bonecos hiper-realistas de silicone fazem refletir se vivemos em um mundo esvaziado de sentido
Produzido por Neusa Picolli Fante, 02/07/2025 às 08:56:48
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

Os assim chamados bebês reborn, feitos de vinil ou silicone, que muitas vezes são adotados como bebês reais por alguns, estão na pauta do mundo no momento.

Isso me faz pensar se vivemos um mundo esvaziado de sentido, ou é o lapso de alguns que ficou em aberto e permeia como uma verdade absoluta?

Quantas pessoas doentes existem por ali e, principalmente, qual o nível de patologia? Uma vez que todos temos as nossas dessintonias presentes, será que essas pessoas mostram a realidade geral? Todos os adultos vão brincar de bebê? Vão direcionar cuidados físicos, emocionais, medicamentosos, para um bebê renascido de borracha?

“Não é verdade” gritou o meu íntimo. Precisam brincar para sair do faz de conta. Será que não brincaram o suficiente, ou será que o que foi oferecido não criou asas para transformá-los e eles, presos, ainda permanecem?

Depois do susto, me refiz e fui olhar diferente. O bebê necessita do objeto de apego na distância com a mãe, e o adulto, que não aprendeu a desapegar esse apego, que não construiu maneiras saudáveis para seguir, pega o que não teve, o que deixou escapar.

Será tudo isso uma brincadeira, um pega ratão para os preocupados demais, rígidos demais? Olhar amorosamente e coerentemente, nesse momento, se torna nossa lanterna.

Vamos por caminhos indecifráveis para resgatar o humano. Não nos deixemos abater e façamos a nossa parte: auxiliando para que a saúde mental se fortifique e se fixe no princípio da realidade presente ou não.

Cadê os pais desses adultos crianças, sem linhas claras, sem limites, que criam um universo paralelo?

Cadê os pais? Continuam brincando de casinha, pegam a boneca como um filho e continuam a brincar.

Por que não se perder, se vejo adultos fazendo birra, brincando de esconde esconde, de casinha? Por que não brincar de boneca, de bebê sem ser real também?

A maturidade passa longe de quem não cresceu e assim deseja ficar. É o mundo à parte, em que reflexões não existem, ou não alcançam outros horizontes. Onde o medo tapa qualquer tentativa de adultez. E assim, num mundo de faz de conta, permanecem.

Muitos se divertem; outros, no entanto, vão atrás de um bebê não humano para não sair do seu próprio ego.

Algo dentro de mim que reconhece um olhar profundo, que sabe o valor do encontro humano, nas suas ínfimas possibilidades se rebela: “Só podem estar brincando”, digo eu. Sim, respondo, continuam numa insanidade sem limites.

Tenho ouvido risos de desdém, olhares de espanto, incredulidade diante de como as coisas são contadas. O que realmente é a verdade por trás do que se mostra? Questiono.

Que a coerência venha de dentro de nós e os diz que me disse fiquem sozinhos, à margem de algo muito maior. Que minha força no olho a olho empurre para a lucidez que se perdeu.

Que eu consiga dar raízes fortes para quem próximo de mim está, para que encontrem não o caminho mais fácil, mas o saudável...

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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