Caxias do Sul 29/03/2024

A mulher no cinema definida em três estereótipos

Como personagens femininas são destituídas de autenticidade em papéis sem qualquer força dramática
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 07/11/2020 às 22:25:14
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

O significado figurativo de estereotipar, segundo o Dicionário Michaelis, é “categorizar ou definir pessoas ou coisas de maneira simplista, a partir de julgamentos, expectativas ou generalizações falsas”.

No cinema (e não só nessa arte) existe um nicho que se ocupa em difundir a visão feminina estereotipada, criada pelos próprios estúdios e seus roteiristas, especialmente em Hollywood. Parece que há uma cartilha destinada a isso e nem é preciso consultá-la, pois essa falsa identidade feminina já está cristalizada na Sétima Arte. E fora dela, em alguns casos.

“Femme Fatales”, mulheres hiper sexualizadas, como Selina Kyle (Anne Hattway), a Mulher Gato de Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012), carregam um dos clichês mais clássicos do cinema. Assim como a “Mulher Troféu”, que o protagonista conquista no final. Pense nos filmes de Adam Sandler e seus personagens palermas que sempre conseguem esse feito.

Em certos longas de serial killers ou de fenômenos sobrenaturais, perpetuam-se os estereótipos da jovem indefesa que consegue escapar da morte. Na trama, quase sempre ela tem uma amiga que nunca sobrevive porque faz escolhas desastrosas. Nesses filmes aparecem também personagens femininas sem história, elas entram em cena só para morrer.

Escolhi três abordagens que apontam estereótipos femininos marcantes nas narrativas fílmicas. Embora cada vez mais as mulheres ganhem papéis de destaque e dramaticidade, e há muitos exemplos nos últimos anos, permanecem estruturas que as colocam em segundo plano ou como coadjuvantes, cuja única função é dar vazão às ações do personagem masculino, geralmente seu par romântico.

“O PRINCÍPIO SMURFETTE” (The Smurfette Principle)

Onze Homens e um Segredo mais... Tess

O termo cunhado pela ensaísta Katha Pollitt, em artigo publicado no New York Times em 1991, faz referência à existência de uma única atriz/personagem feminina em um elenco ou núcleo narrativo composto só por homens.

Ela explica que os “homens definem o grupo, as histórias e os códigos de valores. Mulheres só existem em relação aos homens”.

A inspiração para o termo veio dos Smurfs, clássico de animação, em que duendes azuis viviam sem nenhuma figura feminina em seu mundo, até que o bruxo Gargamel cria uma para causar discórdia entre eles. Cabe ao Papai Smurf transformá-la através da magia. A Smurfette é estilosa, loira e usa salto alto, clichê relacionado ao feminino e sua forma de representação na sociedade.

A terminologia remete também ao “Tokenismo” ou “Token Minority” (Minoria de Token). A expressão em inglês, nesse caso, diz respeito à minoria simbólica de atores que obtêm apenas papéis secundários em séries e filmes, em função de sua etnia.

Quando se inclui um personagem de minoria (racial ou de gênero, por exemplo), que seja o oposto do branco heterossexual masculino, acontece o “Tokenismo”. Em South Park, por exemplo, há um “Token Black”, um único menino negro na sala de aula dos protagonistas.

Esse é um recurso usado também para tornar uma obra mais “democrática” ou politicamente correta.

Exemplos:

Princesa Leia (Star Wars, 1977)

Tess (Onze Homens e um Segredo, 2001)

Ariadne (A Origem, 2010)

Viúva Negra (Os Vingadores, 2012)

Ariadne, a única mulher que trabalha com “os caras”

Viúva Negra está lá entre os Vingadores

BORN SEXY YESTERDAY (Nascida Sexy Ontem, em tradução literal)

Leeloo e Korben em O Quinto Elemento

O termo da língua inglesa é usado para descrever alguém tão ingênuo que não consegue se defender sozinho, além de não compreender o mundo como tal e, menos ainda, como funcionam as relações sociais.

No cinema aparece como o estereótipo da mulher sensual e inocente que não percebe o efeito que causa nos homens. É como se ela não se desse conta de sua própria sexualidade.

O clichê fortalece o masculino em detrimento do feminino, passando a ideia de que o homem precisa guiar essa mulher infantilizada e inexperiente, apesar de seu corpo adulto.

Androide, sereia, fada, alienígena, mulher selvagem... Nas narrativas em que aparecem, elas estão destinadas a “servir” o sexo oposto, enfatizando o poder patriarcal. No entanto, apesar de sua fragilidade, algumas delas têm habilidades específicas, como artes marciais, por exemplo.

Exemplos:

Weena (A Máquina do Tempo, 1960)

Quorra (Tron: Legacy, 2010)

Madison (Splash: Uma Sereia em Minha Vida, 1984)

Nova (O Planeta dos Macacos, 1968)

A doce Weena com o viajante do tempo

Madison de Splash, a ingênua sereia

“MULHER NA GELADEIRA” (Woman in Refrigerator)

O par Murron e Wallace em Coração Valente

O termo é usado quando a personagem feminina é morta, sequestrada ou desaparece na trama (geralmente no início). O objetivo é motivar as futuras ações da figura masculina.

A origem da terminologia vem do filme Lanterna Verde, em que a namorada do protagonista, Alex DeWitt, é assassinada e colocada dentro de sua geladeira.

Em alguns casos, a “Mulher na Geladeira” nem nome tem, como é o caso em O Gladiador. O personagem Maximus vive falando que vai voltar para a esposa que nunca é nomeada no filme e na descrição de elenco aparece como Mulher de Maximus.

Exemplos:

Murron (Coração Valente, 1995)

Gwen Stacy (O Espetacular Homem-Aranha 2, 2014)

Lucy Kersey (Desejo de Matar, 2018)

Mulher de Maximus (Gladiador, 2000)

Lucy Kersey em momento família perfeita

Gwen Stacy, morte trágica em Homem-Aranha 2

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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