Caxias do Sul 26/08/2025

A irritação do outro que cola em ti

O sem sentido do outro ecoa em quem não aprendeu a separar o do outro e o seu
Produzido por Neusa Picolli Fante, 06/08/2025 às 07:54:43
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

Cola em ti a irritação do outro? Então, não é do outro, ela é tua.

Esse exemplo percebo presente em inúmeras pessoas, seja no trabalho ou na vida pessoal. Elas deixam escapar pelo olhar, ou pelos gestos, que refletem “Você me deixa mal”, “como pode agir, pensar, assim?”. Absorvem, sem se dar conta, questões que não lhes pertencem.

Se um diz “Você não enxerga.” Compreendem do outro lado: “Você faz tudo errado”. E isso tem um peso muito grande, pois é ali que torno a ignorância do outro minha também.

No entanto, palavras que viriam para organizar, para colocar no princípio da realidade algo difícil, podem ficar no não dito; ou, no não compreendido. E o sem sentido do outro ecoa em quem nada tem a ver com isso, ou melhor, em quem não aprendeu a separar o do outro e o seu.

O “eu não concordo” se transforma em irritação que é mal direcionada dentro da pessoa que ouve. Palavras, que ficam alfinetando dentro dele, permeiam os cantos escuros daquele ser, fazendo estragos. Pessoas que se encolhem diante do que ouvem, ou do que contestam, mas que, acima de tudo, engasgam com o que é dito.

No entanto, percebo que muito do outro cola em mim, em ti e no outro também. Às vezes, em pequenas partes, fragmentado, sejam farpas do que não é nosso adentra em nós. A vigilância se torna primordial para alguém que, além de mudar, deseja se desenvolver e, acima de tudo, não se deixar atormentar pelo que não lhe pertence. Mas antes precisa perceber o que acontece e, principalmente, aprender a se conhecer para, só assim, discernir o que realmente é seu e o que é do outro.

A caminhada da descoberta sobre si e sobre o outro é longa, é árdua, mas ela existe e está ao nosso alcance.

Podemos nos transformar em pessoas amarguradas, que projetam no outro nossas aflições e angústias, e essas são muitas. E que o fazem sem se dar conta, onde existem muitos não vistos soterrados dentro do seu ser. Ou podemos perceber o que é nosso e o que não faz parte de nós. Vamos em busca desse último, que nos leva a nos autoconhecer e não absorver o que não nos compõe.

Se pudéssemos decifrar o momento quando acusações chegam em quem não tem nada a ver com elas, diríamos que quem as faz poderia dizer: “Se alguém pode carregar o que me angustia, por que não jogar para ele?” E vão despejando em quem menos se defende, em quem mais os considera.

Menos peso para um, mais para outro. Tem quem joga e tem quem absorve o que é despejado. É nesse momento que aprender a dar limites torna-se primordial e isso significa se proteger. E que se faça amorosamente, para não cair no mesmo erro do outro.

Muito temos a nos ensaiar...

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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