A logística humanitária mostra-se como uma estratégia capaz de assegurar assistência e reconstrução no Rio Grande do Sul, após as enchentes que acometeram várias cidades do estado, principalmente entre os meses de abril e maio do ano passado.
Mais de 2,1 milhões de pessoas foram afetadas de alguma forma. A população desabrigada, no momento mais crítico da crise, ultrapassou as 70 mil pessoas, e a desalojada chegou a 650 mil. Ainda há muito o que recuperar e resgatar. Para além dos bens materiais, é essencial garantir direitos e fornecer suporte psicológico e afetivo.
Você pode estar se perguntando: “Mas o que é logística humanitária e em que ela se diferencia do conceito de logística?”. Respondo explicando que a logística humanitária constitui um campo especializado da gestão logística, focado na missão de aliviar o sofrimento das pessoas vulneráveis, particularmente em contextos de desastres naturais, crises humanitárias e outras emergências.
Diferencia-se da logística empresarial porque esta, pela sua natureza, tem como premissa ser uma atividade econômica, visando geralmente maximizar lucros e eficiência operacional. Já a logística humanitária abre mão desse objetivo para priorizar a rapidez, a precisão e a eficácia na entrega de bens e serviços essenciais às populações afetadas. Em primeiro lugar, a dignidade humana, os direitos e a vida.
Nesse sentido, a logística humanitária visa reduzir o sofrimento das populações afetadas por meio de uma série de operações coordenadas e estratégicas, que incluem a avaliação das necessidades, a mobilização de recursos, o transporte e a distribuição de suprimentos, bem como o monitoramento e a avaliação contínua das atividades de socorro.
Para tanto, a logística humanitária prevê a adoção de alguns protocolos. Por exemplo, incluir a gestão de contratos em operações humanitárias. Tal gestão é essencial para assegurar que os bens e serviços necessários sejam adquiridos, entregues e utilizados de forma eficiente. Envolve a negociação, execução e monitoramento de contratos com fornecedores, prestadores de serviços e parceiros.
Os contratos podem ser classificados conforme seus objetivos. Temos os contratos de fornecimento para aquisições de bens, os de contratação de serviços de transporte e armazenamento, as parcerias com organizações que possam impulsionar a logística e modalidades de contratos emergenciais, mais flexíveis, para viabilizar rapidez das ações em circunstâncias de crise mais aguda.
É fundamental também uma gestão eficiente de abrigos e da disponibilidade de alimentos, com estratégia de armazenamento e distribuição, e administração correta de estoque. A estruturação de equipes e sua distribuição no campo de atuação são outras providências que devem ser realizadas com acompanhamento de perto e minucioso.
Afinal, uma meta elementar da logística humanitária é viabilizar a chegada dos produtos certos no momento certo, na quantidade e qualidade adequadas. Pouco adianta toneladas e mais toneladas de um determinado alimento se, por exemplo, faltar água potável. É preciso haver um equilíbrio nessa relação entre necessidades e ofertas.
Pelo seu perfil humanitário, geralmente a logística humanitária envolve a participação de diferentes atores sociais, para além das empresas do ramo. Governos, organizações não governamentais, agências internacionais e comunidades locais costumam estar envolvidos. Contudo, além de boa vontade e disposição, é indispensável coordenação para evitar duplicidade de esforços e garantir uma distribuição equitativa e eficiente dos recursos.
A logística humanitária é aplicada em situações de extrema adversidade e, por isso, depara com desafios próprios, nem sempre enfrentados pela logística empresarial, como dificuldades de acesso devido a infraestruturas danificadas, barreiras geográficas e condições climáticas hostis. Superar esses desafios requer uma preparação meticulosa e a capacidade de adaptar as estratégias conforme a situação evolui.
Como visto, a logística humanitária visa assegurar direitos fundamentais da pessoa humana. Os desastres naturais, como os ocorridos no Rio Grande do Sul, causam impactos trágicos. O direito à vida está em risco. Os desastres climáticos não apenas ameaçam diretamente o direito à vida, mas também desafiam a capacidade dos estados e das comunidades de proteger e garantir esse direito.
A falta de preparação e resposta adequadas a desastres climáticos pode resultar em violações graves dos direitos humanos, evidenciando a necessidade urgente de estratégias de mitigação e adaptação mais eficazes. Nesse sentido, destaca-se a importância de a logística humanitária contemplar ações e medidas que proporcionem apoio psicológico.
Todo esse processo é fundamentado na Ferramenta 5W2H, que abrange entender o que (isto é, o problema a ser resolvido, a situação a ser enfrentada); por que; quem (responsáveis por conduzir as ações); onde; quando (período para enfrentamento da situação); como se desenvolverão as ações; e quanto custará (recursos financeiros necessários).
O impacto das enchentes frequentemente compromete a capacidade dos governos e das organizações de garantir condições seguras para os deslocados. A rápida mobilização de recursos e a instalação de abrigos temporários são essenciais, mas muitas vezes essas soluções são provisórias e podem não atender adequadamente às necessidades de longo prazo das vítimas. Além disso, o processo de reconstrução pode ser lento e complexo, o que pode perpetuar a vulnerabilidade das comunidades afetadas por um período prolongado.
É, inclusive, o que estamos vendo neste momento.
Mais do que nunca, para enfrentar esse desafio, a importância do planejamento, coordenação, distribuição eficiente de suprimentos e monitoramento contínuo é crucial para mitigar os impactos negativos e proteger os direitos das populações afetadas. Entretanto, apenas por meio de uma abordagem integrada e colaborativa, premissa da logística humanitária, é possível aprimorar a resposta humanitária e assegurar que as comunidades vulneráveis recebam a assistência necessária de maneira oportuna e eficaz.
Ana Clara Fonseca Guilherme é advogada especialista em contratos de logística e que tem acompanhado de perto o tema das licitações em tempos emergenciais.