Caxias do Sul 04/05/2024

A força (e a fraqueza) do sobrenome

Neta de Mussolini relata as dificuldades enfrentadas por herdar nome de familiar controverso
Produzido por José Clemente Pozenato, 29/02/2024 às 07:30:54
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

O jornal italiano Corriere Della Sera publicou recentemente (em 24/02/2024) uma entrevista intrigante, mas também reveladora, de canais ocultos dos dramas humanos.

A entrevistada é Alessandra Mussolini, neta de Benito Mussolini, nascida em 1962 e hoje deputada do Parlamento Europeu. A frase dela que dá título à entrevista é esta: Por causa do sobrenome tive que deixar o cinema. Isso sucedeu mesmo não tendo ela nem conhecido o avô, que morreu em 1945, colocando ponto final na Segunda Grande Guerra.

Também no ramo materno Alessandra enfrentou problemas com o sobrenome. Seu avô materno se chamava Ricardo Scicolone, que teve duas filhas: Maria, que viria a ser a mãe de Alessandra, e Sofia Scicolone, que riscou o sobrenome, muito fraco talvez, e passou a ser conhecida como Sophia Loren.

Alessandra, seguindo os passos da tia Sophia Loren, também iniciou carreira no cinema. Com quinze anos de idade, em 1977, participou do elenco do filme Una Giornata Particolare (em português: “Um dia muito especial”), ao lado da tia e de Marcello Mastroianni. Na entrevista, Alessandra conta que, como estava muito frio no set, vestiu um casaco de lã que não combinava com o figurino porque “era totalmente anacrônico para a época em que era ambientada a película”. Mas a cena agradou o montador “e acabou dentro do filme”.

Seis anos depois, em 1983, Alessandra fez parte do filme Il Tassinaro (O Taxista), dirigido por Alberto Sordi, nos estúdios da Cinecittà, em Roma. Dessa filmagem, Alessandra lembra o seguinte na entrevista

“Sordi era um grande cineasta. Fiz o teste, me aceitou em seguida. O filme foi de muita fadiga porque a produção queria economizar nas tomadas e Alberto, que era o diretor, nos fez gravar todas as cenas noturnas numa única noite.”

O terceiro diretor com quem Alessandra fez o teste exigido para entrar num filme foi Dino Risi (1916-2008). Depois do teste, ele disse que ela era muito bonita, mas muito magra e de olhos muito claros. Alessandra quis saber por que não era aceita. “Dino Risi me disse isto na cara: - Queres fazer cinema com esses olhos que lembram teu avô? Pelo menos muda o sobrenome.”

Alessandra pediu uma sugestão e Dino Risi respondeu:

- Zero.

- Sobrenome Zero? – perguntou ela.

- Isso mesmo: Alessandra Zero.

Depois disso, Alessandra viu que o caminho do cinema estava fechado para ela e se matriculou no curso de Letras. O sobrenome continuou lhe dando problemas, vindos “de muitas ofensas e muitas manifestações”. Foi então para o curso de Medicina, no qual se formou em 1994, fazendo depois o mestrado em Angiologia. Mas também no exercício da profissão de médica continuou tendo de aguentar piadas e provocações.

A partir daí, decidiu entrar na carreira política e, dessa vez, teve sucesso. O sobrenome atraiu votos suficientes para ingressar no Parlamento Europeu...

Como ensinou Camões:

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,

Muda-se o ser, muda-se a confiança:

Todo o mundo é composto de mudança,

Tomando sempre novas qualidades”.

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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