Caxias do Sul 04/05/2024

José Bernardino: o meu personagem

Tanto na ficção quanto na vida real, cidadão teve atuação crucial na sociedade serrana gaúcha
Produzido por José Clemente Pozenato, 22/02/2024 às 11:47:42
José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”
Foto: Marcos Fernando Kirst

Em meu romance A Cocanha, ocupa um bom espaço de cena o personagem José Bernardino, um funcionário da Comissão de Terras que faz anotações para escrever um romance realista, no estilo da Machado de Assis, sobre o ambiente criado pelos imigrantes italianos na Colônia Caxias. Não é um personagem fictício, mas baseado numa pessoa real, chamada José Bernardino dos Santos. Foi uma estratégia, ou um truque, que utilizei para ter um observador atento do que acontecia naquela “selva selvagem, áspera e forte”, como dizem os versos de Dante Alighieri, que deu nome à primeira praça da futura cidade.

José Bernardino dos Santos, pessoa real, nasceu em Porto Alegre em 1848 e veio para Caxias em 1886, onde faleceu em 1892, aos 44 anos de idade. No capítulo 11 da parte Dois do romance, ofereço seu perfil completo. Não sou eu quem toma a liberdade de caracterizá-lo como um “rebelde”: ele mesmo se denominou assim em sua autobiografia, a que deu o título de Memórias de um Rebelde.

Seu percurso histórico foi mesmo fora dos padrões. Era funcionário da Tesouraria da Fazenda do Rio Grande do Sul quando decidiu servir como Voluntário da Pátria na Guerra do Paraguai. De lá voltou antes do fim da guerra, por motivo de doença, e reassumiu o cargo na Fazenda, ingressando também no Partenon Literário, “onde fez-se notar como jornalista, dramaturgo, poeta, romancista e orador eloquente”... como relata Guilhermino Cesar em sua História da Literatura do Rio Grande do Sul. De lá, decidiu subir a Serra como funcionário da Colônia Caxias, ao que tudo indica para melhorar de uma doença que lhe atacava os pulmões.

Em Caxias manteve também uma vida literária. Quem deixou isso registrado foi ninguém menos que João Spadari Adami, no Primeiro Tomo de sua História de Caxias do Sul. De acordo com Adami, dois poetas funcionários da Comissão de Terras – Bento de Lavra Pinto e José Bernardino dos Santos – se divertiam, e divertiam a assistência, declamando versos de sua autoria. Adami transcreve duas quadrinhas que ele encontrou escritas, e que reproduzo em meu romance, em que os dois poetas se desafiam.

Segundo Adami, esses desafios poéticos ocorriam “no prédio nº 858, à Rua Marechal Floriano, de propriedade de Nicolau Luis Amoretti, prédio onde havia um albergue e onde estava instalada a primeira agência do Correio de Caxias e o primeiro salão de bilhar também” (Op. cit,, p. 252).

Outra fonte em que me abasteci para construir esse personagem, e as situações por ele vividas, foi a dos relatos a mim feitos por Mário Gardelin, que na época em que projetei e escrevi o romance era meu colega na reitoria da Universidade de Caxias do Sul. Mário Gardelin, ao participar da fundação da Academia Caxiense de Letras, escolheu, não por acaso, o nome de José Bernardino dos Santos como patrono da Cadeira nº 1. Cadeira que ele, Mário Gardelin, ocupou como acadêmico. Foi ele quem me deu os elementos para reconstituição dos últimos dias do poeta em Caxias, onde faleceu e foi sepultado. Uma sequência que também reconstituo no Capítulo 11 da parte Três do romance.

A única falha que percebi na história de José Bernardino dos Santos foi a de que seu nome, ao contrário do que acontece com seus colegas da Comissão de Terras, não foi perpetuado em nenhuma rua ou logradouro de Caxias do Sul. Talvez não seja tarde demais para corrigir essa falha!

Para concluir, fica a ressalva que ponho no final de meu romance:

“Os fatos narrados são fictícios, mesmo quando se referem a lugares e pessoas conhecidos.”

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

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