Caxias do Sul 08/05/2024

A ESCAVAÇÃO, legado para além da arqueologia

Obra permite olhar sobre finitude e memória ao contar história real às vésperas da II Guerra Mundial
Produzido por Eulália Isabel Coelho, 07/02/2021 às 08:55:51
Foto: LUIZ CARLOS ERBES

Por Eulália Isabel Coelho

O tempo, que sabemos inexorável, é também soberano dos destinos. A vida que hoje é presente, amanhã servirá para ilustrar o pretérito. Assim, o que foi pode ter inúmeras formas em seus indícios. A Escavação (Netflix, 2021), dirigido pelo jovem Simon Stone, sugere isso. É quando nos tornamos testemunhas de um passado remoto que nos damos conta da finitude e das perspectivas que ela nos apresenta. Entre elas, a busca pelo sentido da vida.

Em A Escavação, o arqueólogo autodidata Basil Brown (Ralph Fiennes) faz uma descoberta extraordinária, capaz de alterar a história sobre os antepassados anglo-saxões da denominada “Idade das Trevas”. Através de seu trabalho, realizado na propriedade de Edith Pretty (Carey Mulligan), ele consegue datar os artefatos desterrados. O filme se passa em 1939, ao Sul da Inglaterra, às vésperas da II Guerra Mundial,

Esse seria um plot simples, não fosse o fato de ser inspirado em uma história real narrada em livro pelo escritor John Preston. Basil Brown foi um pesquisador cujos feitos nunca foram reconhecidos em vida, nem mesmo diante da grandiosa descoberta do barco funerário no terreno da viúva Pretty, que sempre aludia a ele como o verdadeiro explorador do achado.

Toda a trama decorre desse resumo, mas o que se sobressai é o significado para além do teor arqueológico e das disputas oficiais pelos artefatos. Temos uma constante no desenvolvimento do enredo: a vida que está, a vida que foi, a vida que desaparecerá e os vestígios que dela permanecem.

Escavar é também revisitar a história humana

Edith (Carey Mulligan) e Basil (Ralph Fiennes)

Quando Edith visita o túmulo do marido, está diante do seu próprio futuro e tem noção disso. Basil, ao realizar suas escavações, fica frente ao passado fragmentado, escondido e preservado, que será tocado pela primeira vez em séculos. A finitude, então, toma outros sentidos. Você pode identificar os registros da história humana, como quem pega um biscuit na casa da avó, com o máximo zelo para não danificá-lo.

As técnicas da arqueologia são respeitosas, exigem cuidado absoluto. É relojoaria. Não há que ter pressa sob pena de destruir a memória ali contida. Na vida, em especial a da personagem de Carey Mulligan, as peças se dispõem muito delicadamente. Um movimento brusco e ela pode sucumbir. Quando isso acontecer para ela, para todos nós, seremos despojos de um mostruário, o jazigo que nos espera. Como o dos antepassados guardados sob o solo é o destino de cada um.

Basil Brown, dedicado arqueólogo autodidata

O filme tem uma proposta delicada, com bela fotografia, que privilegia a luz natural. As atuações de Mulligan e em especial a de Ralph Fiennes são comedidas. Na moderação de seus sentimentos - característica da discrição inglesa -, o ator empresta a seu arqueólogo amador uma face generosa e cortês. Um olhar solícito em que qualquer inquietação ficaria deslocada.

O que intriga em A Escavação é que os fatos se passam em um momento crítico, com o fim rondando os acontecimentos. Os aviões que diariamente sobrevoam o terreno em pesquisa são lembretes da guerra iminente que ceifará vidas.

O barco encontrado no terreno traz em si o fim que agora se abre para ensinar que nem tudo é o que parece, nem mesmo no escopo histórico. O término da existência é também o registro dela, em lápides, artefatos, lembranças e reverências. O destino de cada um é curiosa criação temporal. Navegação em que o melhor a fazer é não deixar escapar os momentos. Neles ficam as marcas para uma futura arqueologia do ser.

Assista ao trailer AQUI

Assista ao vídeo que conta a história real (sem legendas) AQUI

FICHA TÉCNICA

A Escavação (The Dig, Inglaterra, 2021)

Diretor: Simon Stone

Roteiro: Moira Buffinin

Trilha Sonora: Stefan Gregory

Elenco: Carey Mulligan, Ralph Fiennes, Lily James, Johnny Flynn, Ben Chaplin, Ken Stott
Duração: 112 minutos

FILMOGRAFIA DE SIMON STONE

National Theatre Live: Yerma (2017)

A Filha (2015)

The Talented Mr Stone (documentário, 2013)

The Turning (Episódio Reunion, 2013)

Balibo (2009)

Eulália Isabel Coelho é jornalista, professora de cinema e escritora

mail bibacoelho10@gmail.com

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