Caxias do Sul 24/04/2024

A Babel da língua universal

Já há duas teorias sobre qual será a língua universal no futuro próximo
Produzido por José Clemente Pozenato, 17/06/2021 às 10:18:51
Foto: Marcos Fernando Kirst

No meu tempo de ginasiano, a língua incluída no currículo, por ser considerada universal, era a Língua Francesa. Fiz tantas leituras e estudos em francês que ele terminou por ser minha segunda língua. A ponto de receber de um professor da Universidade de Marselha este comentário, que até hoje não sei se era elogioso: “Vous parlez un français três littéraire, monsieur!” (O senhor fala um francês bem literário!).

Na nossa cidade de Caxias do Sul, o primeiro sinal da entrada da língua inglesa foi a instalação de um ponto de venda de “hot-dog”, de “hamburguer” e de “x-burguer” – o hambúrguer com queijo que entrou na culinária local com o nome simplificado de “Xis”.

A partir daí o inglês começou a entrar na vida cotidiana. É verdade que nesse período se intensificou também o intercâmbio mundial das empresas da Serra. Começou então a oferta de cursos de inglês, que aos poucos foi tomando o lugar do francês, também nos cursos ginasiais.

Eu me dei conta de quanto o inglês engolira o francês quando uma rádio da cidade anunciou a exibição do filme “A Bela da Tarde”, estrelado por Catherine Deneuve e Michel Piccoli. O locutor, caprichando na dicção – como era da cultura da época – anunciou, com pronúncia inglesa dos nomes dos atores:

- Neste sábado, no Cinema Central, o filme “A Bela da Tarde”, com Kéthrin Diníuv e Máiquel Pícoli.

Quando passei a atuar como professor na Faculdade de Letras, o francês era ainda dominante. A Madre Daniélou comandava o ensino da língua e da literatura francesa, com refinada competência. Mas também na Faculdade o inglês começou a tomar conta. A primeira presença, eu me lembro bem disso, foi a inclusão da Enciclopédia Britânica (British Encyclopaedia) na biblioteca. Mas se algum professor ou aluno desejasse consultar um artigo, teria que apelar para um tradutor, e tradutor do inglês era raro!

Com o passar dos anos, e à medida que crescia o intercâmbio universitário com outros países, a língua inglesa foi ocupando todo o espaço. Um derradeiro programa de intercâmbio com o francês como língua oficial talvez tenha sido a criação da Rede Mediterrânea de Comunicação. Foi falando francês que participei de eventos dessa Rede na França, na Espanha, em Portugal, na Itália, na Romênia, na Grécia...

Exatamente na Grécia ocorreu um episódio parecido com o do anúncio do filme “A Bela da Tarde”. A representante grega no evento encaminhou proposta para que a língua oficial do programa passasse a ser o inglês, com o argumento de que essa era a língua universal. Fiz então uma intervenção contundente, falando em francês, é claro:

- O inglês não é uma língua mediterrânea. E se o inglês for adotado como língua oficial da Rede Mediterrânea, eu me desligo dela no mesmo instante!

Tive o apoio unânime de todos os participantes, e o francês permaneceu como língua do Réseau Méditerranéen.

Anos depois, ao voltar de um evento da Rede em Bucareste, na Romênia, em avião da Alitalia, minha esposa se dirigiu ao balcão de embarque falando em italiano, supondo ser essa a língua falada na empresa. A despachante falou, quase com rispidez:

- Speak english, please!

- Ma l’Alitalia non l’è mia italiana?!

- But the english is the universal language!

A primeira língua que se pretendeu universal foi o grego, ao menos no universo ocidental. A segunda foi o latim. O francês foi quase língua universal por causa de seus filósofos e escritores. O inglês foi ocupando esse posto com a revolução industrial, posição que mantém até hoje, com a explosão da indústria do cinema e a expansão dos esportes de berço britânico.

Mas já há duas teorias sobre qual será a língua universal no futuro próximo. Uma diz que será o inglês com sotaque chinês. A outra prevê que vai ser o chinês com sotaque inglês!

Ou então vai ser restabelecida a Babel... Diante desse quadro, a preservação e o cultivo da diversidade linguística se tornam cada vez mais importantes para a saúde social. Viva o português! E também o Talian!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado “O Quatrilho”, que foi adaptado ao teatro pelo grupo caxiense Miseri Coloni; ao cinema por Fábio Barreto, concorrendo ao Oscar e transformado em ópera.

mail pozenato@terra.com.br

Do mesmo autor, leia outro texto AQUI