Caxias do Sul 25/04/2024

O dia em que aplaudi os heróis da humanidade

Nas comemorações dos 70 anos do VE-Day, em 8 de maio de 2015, atravessei o Atlântico para presenciar a data em que o mal nazista era enfim derrotado
Produzido por Marcos Fernando Kirst, 08/05/2020 às 09:43:59
O dia em que aplaudi os heróis da humanidade
Ao lado de veteranos britânicos e franceses da Segunda Guerra Mundial, em Londres
Foto: Silvana Toazza

POR MARCOS FERNANDO KIRST

Em 2015, junto com minha esposa e minha mãe, empreendi uma viagem à França e à Grã-Bretanha nesse período. Minha meta principal era estar posicionado defronte ao Palácio de Whitehall, em Londres, às 15h do dia 8 de maio, a fim de assistir às celebrações alusivas aos 70 anos do VE-Day (o "Dia da Vitória na Europa", que marcou o fim da Segunda Guerra Mundial no continente, após a rendição da Alemanha). O prédio centenário abriga o gabinete do primeiro-ministro, e foi de suas sacadas que o então primeiro-ministro britânico Winston Churchill discursou à multidão no histórico Dia da Vitória na Europa, em 8 de maio de 1945, dizendo a famosa frase “Esta vitória é de vocês”, à multidão inebriada de alegria.

Churchill em Whitehall: "Essa vitória é de vocês!"

70 anos depois, uni-me à multidão transnacional que presenciava as celebrações naquele local histórico. O bisneto de Churchill repetiu ali o discurso do bisavô, emocionando a todos. Os veteranos de guerra trouxeram suas medalhas, seu orgulho e sua história para perto de nós; os caças da RAF sobrevoaram os céus largando fumaça colorida nas cores da bandeira da Inglaterra; um Pai-Nosso em inglês foi rezado por todos (um folheto com a oração impressa foi entregue às milhares de pessoas que preenchiam os espaços) e, enfim, o ponto alto: às 15h em ponto, o Big Ben soou suas três badaladas e, sem que ninguém anunciasse nada pelos alto-falantes, todo o país entregou-se a três longos, profundos e inenarráveis minutos de silêncio. Podia-se ouvir o peso, a textura, o sabor e o som daquele silêncio em homenagem a cada pessoa morta na Segunda Guerra Mundial, e evocando sua memória e a lembrança das razões pelas quais pereceram. Jamais esquecerei.

Na Trafalgar Square, 70 anos depois

Na Whitehall, esperando o bisneto de Churchill repetir o discurso histórico

"Pai Nosso" em inglês e, ao fundo, sentados, veteranos da II Guerra

Na camiseta, ela homenageia o irmão mais velho, integrante da tripulação de um navio de guerra britânico que foi afundado pelos alemães em 1943

No dia seguinte, perambulando ali perto, pelo Saint Jame´s Park, dedicamo-nos a usufruir de uma exposição ao ar livre de objetos originais da guerra (tanques, utensílios, barracas, caminhões, canhões, radares etc) e mantive contato com alguns veteranos que por ali circulavam. Mais tarde, fomos brindados pelo desfile de duas centenas de veteranos (homens e mulheres) por um caminho no parque que conduzia até um local onde fora preparado para eles um baile típico dos soldados na época da guerra. Uni-me à multidão oriunda de várias partes do mundo, que cercava os dois lados do passeio para um ritual de cerca de 20 minutos ininterruptos batendo palmas. Palmas para cada um daqueles heróis anônimos que traziam em si a representação viva da História e dos motivos pelos quais se deve sair da cadeira e lutar: combater o mal.

Peregrino e sua progenitora, no Saint Jame´s Park

Filho de veterano britânico se espanta com a informação de que, sim, o Brasil participou da Segunda Guerra Mundial. "Amazing!"

Eles eram crianças durante a Guerra. Quando terminou, ela tinha 7 anos. Perguntei se recordava das celebrações do VE-Day. "Não. O que eu lembro mesmo é das bombas", respondeu. "I remember the bombs", recordando dos ataques alemães da Luftwaffe, a Blietzkrieg.

Entreguei para minha esposa o i-pad com o qual vinha fotografando e filmando ao redor e disse: “Filme você, preciso das mãos livres. Atravessei o Atlântico para vir aqui render minha homenagem pessoal de gratidão a cada um desses heróis”. Foi o que fiz. Agora, a cada novo VE-Day, revejo o filme e bato palmas imaginárias, repetindo o ritual de gratidão, incluindo nela a gratidão a todos os pracinhas brasileiros que, integrando a FEB (Força Expedicionária Brasileira) deram a sua contribuição em nome do Brasil para combater os nazistas em solo italiano. É esse espírito genuíno brasileiro, de combate ao fascismo, de combate ao ódio, de combate à discriminação e à intolerância, que também evoco e rendo palmas nesse dia, esperando que sempre seja resgatado quando as forças do mal queiram sair das trevas e reinar pela aí.

EM TEMPO: Nas vésperas do dia 8 de maio, em 2015, estivemos em Paris, e fomos brindados ao flagrar uma cerimônia oficial em homenagem ao fim da Segunda Guerra no Arco do Triunfo, onde se encontra o Túmulo do Soldado Desconhecido. A sorte sempre acarinha os peregrinos dedicados.

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