Caxias do Sul 25/04/2024

Um olhar atento: o segredo das novelas policiais

O chamado gênero policial da literatura tem pelo menos três variantes do foco dramático
Produzido por José Clemente Pozenato, 02/05/2020 às 10:18:24
Foto: Marcos Fernando Kirst

A primeira variante é a da charada. O autor da obra monta uma série de pistas, como num labirinto, e o leitor é convidado a descobrir quem é o criminoso. Essa modalidade se consagrou com sir Arthur Conan Doyle, que por sinal fazia aniversário no mesmo dia que eu: 22 de maio.

Suas sessenta histórias sobre o detetive Sherlock Holmes tornaram imortal o personagem. Até o neologismo “cherloque” foi inventado na gíria para designar um bom investigador. Na mesma trilha seguiu Agatha Christie, que escreveu uma quantidade ainda maior de novelas e foi lida no mundo inteiro.

O problema de Agatha Christie, que tirou meu interesse em continuar lendo suas novelas, é que o criminoso é sempre aquele sobre o qual nenhuma suspeita é levantada! E nessa mesma vertente está Andrea Camilleri, na Itália, que fez do Comissário Montalbano um mestre em decifrar charadas policiais.

Uma segunda variante é a que põe o foco de atenção do leitor na violência e na crueldade dos crimes investigados. Esse estilo nasceu e foi cultivado nos Estados Unidos, e lá mesmo migrou da literatura para o cinema.

Com exceção de Alfred Hitchcock, que inventou o suspense para substituir a truculência de Hollywood. O pai literário dessa variante, de atmosfera carregada, foi certamente Dashiell Hammett, autor de “O Falcão Maltês”.

A terceira variante foi criada por Georges Simenon, belga que escreveu em francês. Seu Comissário Maigret comparece em quase duzentas novelas, em que a charada fica em segundo plano e onde a violência não comparece.

O foco do detetive Maigret é observar os comportamentos das pessoas e, com base no que observa, chegar ao autor do crime investigado. Maigret é tão fixado em observar hábitos e costumes que, num crime que ele ajuda a investigar nos Estados Unidos, ficamos sabendo mais do comportamento dos policiais norte-americanos do que de qualquer outra coisa. Principalmente a compulsão deles para beber uma cerveja e para tomar um uísque.

Para quem leu minhas novelas policiais, com as histórias do Comissário Pasúbio, não é preciso dizer que optei pela variante de Simenon, de usar os olhos de um investigador atento para surpreender detalhes de comportamento das pessoas em vários ambientes culturais. A importância atribuída a essa investigação é tão grande que a solução da charada se torna quase irrelevante.

Em O Caso do Martelo, o foco estava no registro do modo de agir das pessoas de nossas colônias quando chega alguém de fora: vivi essa situação fazendo pesquisa sobre usos e costumes nesse ambiente. Em O Caso do Loteamento Clandestino, o cenário é o de um bairro, da metrópole que é Caxias do Sul, onde se instalam migrantes da região serrana.

Em O Caso do Email, a intenção era captar comportamentos de quem mergulha a fundo nas redes sociais (na época só havia o email...) e não percebe mais nada ao redor. E, em O Caso da Caçada de Perdiz, o centro da investigação é o confronto de dois códigos: o estabelecido pela lei e o mantido pela tradição cultural dos Campos de Cima da Serra, de onde também eu venho. As peripécias do detetive Pasúbio têm como objetivo, como as do Comissário Maigret, levar o leitor a prestar atenção no ambiente da narrativa.

O interessante é que em todas as minhas novelas, o crime como ponto de partida foi um acontecimento real. O Nane Tamanca, de O Caso do Martelo, foi até fotografado numa pesquisa de campo: ele foi morto num assalto à casa dele, numa colônia de Farroupilha, e a polícia não descobriu nada.

O Caso do Loteamento Clandestino também teve um caso policial na origem: um homem encontrado morto, sem roupas, sendo que no dia seguinte, no mesmo local, encontradas as roupas dele, num bairro de Caxias.

Em O Caso do Email, o ponto de partida foi um assassinato num prédio de escritórios na cidade de Caxias. Em O Caso da Caçada de Perdiz, o gancho foi a morte do noivo na porta da igreja, história que me foi contada em Lagoa Vermelha.

Simples, não é? A ficção ajuda a ver a realidade, e vice-versa, a realidade ajuda a ficção!

José Clemente Pozenato é escritor e autor do aclamado "O Quatrilho", que foi adaptado ao cinema, concorrendo ao Oscar.

e-mail: pozenato@terra.com.br

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