Caxias do Sul 18/05/2024

Quem é o inimigo que está dentro de mim?

O estranho que me atormenta é meu superego com exigências por vezes cruéis
Produzido por Neusa Picolli Fante, 14/08/2023 às 08:35:07
Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas
Foto: Morgane Coloda

O inimigo, o general, o estrangeiro que habita meu íntimo, faz com que eu me sinta amargurada diante de diversas situações. Observar de fora o ‘eu mal resolvido’ faz-me entrar em contato com a raiz das minhas dificuldades e aflições.

O estranho que me atormenta é meu superego com exigências por vezes cruéis, que foi lentamente edificado e alimentado por minhas indecisões e incoerências.

Minhas exigências ditam ser perfeita, falar só o que “devo”. Hoje me questiono: o que devo dizer? Qual o modo exato de dizer as coisas? Existe uma caixinha de certo e errado para todos? Ou cada um tem a sua?

Procurando por respostas, deparo com mais perguntas: como conseguir ser mais leve, mais tolerante, mais tranquila comigo se alimento um general dentro de mim? Um general que se criou pelas amarguras sentidas diante da rigidez e da intolerância das minhas experiências quando criança, edificado pelas incoerências do outro e pelo meu não direcionamento.

Essas frustrações não entendidas e acusações ficaram gravadas internamente sem que num primeiro momento eu pudesse fazer algo.

Tenho acompanhado esse inimigo interno por um longo tempo, tentando achar respostas ou maneiras de lidar com ele. Em alguns momentos, se mostra cruel, inseguro, confuso, determinado; em outros, se entristece por me ver abatido e busca compreensão.

É minha versão primária, grotesca, ou é outro eu que vem me atormentar, persuasivo, forte, poderoso, ao mesmo tempo que inseguro, fraco e prepotente. Um general que está ali com a arma em punho, pronto para me atacar, com autorrecriminações que existem onde só eu consigo enxergar.

Me intimida, invalida, me põe de joelhos diante de minhas frustrações. Me deixa impotente. Para que preciso de inimigos externos, se tenho meu próprio instalado em mim?

Saber que ele existe, onde está e como se construiu me faz perceber que posso serenar e também mudar.

O falar desfaz, pouco a pouco, os sentimentos rígidos. Revisitar tudo isso é ter a oportunidade de transformar e de organizar de uma maneira diferente.

Entrar em contato com esse estranho faz-me olhar para dentro, na essência do meu ser, nos defeitos da minha alma. Assim, quando dou a mão a esses defeitos, dou a mão ao inimigo e inicio uma nova caminhada de reconstrução interna. Quando ele se torna meu amigo, tudo é repensado e, pouco a pouco, harmonizado.

Neusa Picolli Fante é psicóloga clínica especialista em lutos e perdas. É palestrante e escritora, autora de oito livros: três de psicologia, três de crônicas e dois de poesia.

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